ViolĂȘncia mata 154 em 2016
Nunca se matou tanto e por tĂŁo pouco em Juiz de Fora. O estarrecedor recorde de 154 mortes violentas contabilizado este ano Ă© ainda mais triste porque boa parte desta centena e meia de vidas foi perdida para o trĂĄfico de drogas e para as brigas de gangues, conforme dados da PolĂcia Civil. Em relação Ă s mortes do ano passado, o crescimento Ă© de 17,5%. Mais da metade dessas vĂtimas Ă© formada por jovens de atĂ© 25 anos, o que torna a situação ainda mais desoladora. Se levarmos em conta os Ășltimos cinco anos, quando a cidade vivenciou a multiplicação dos homicĂdios, jĂĄ chega a 664 o nĂșmero de pessoas que morreram por meio de açÔes criminosas, segundo levantamento da TM. A estatĂstica leva em conta tambĂ©m os Ăłbitos ocorridos posteriormente aos crimes, mas em decorrĂȘncia deles, incluindo casos investigados como latrocĂnio e feminicĂdio. JĂĄ a PolĂcia Militar contabiliza apenas os homicĂdios consumados na hora. Alguns bairros onde Ă© nĂtida a insuficiĂȘncia do Estado com polĂticas pĂșblicas, como a Vila Olavo Costa, na Zona Sudeste, lideram o triste ranking dos assassinatos (ver quadro).
A maioria das localidades que teve mais mortes violentas no Ășltimo quinquĂȘnio tambĂ©m Ă© marcada por constantes confrontos entre grupos rivais, como Santo AntĂŽnio, Santa Rita, Jardim Natal, Vila Esperança II e Furtado de Menezes. O Centro tambĂ©m aparece entre os dez primeiros, mostrando uma migração de homicĂdios para a regiĂŁo mais central, considerada territĂłrio neutro, onde o embate de gangues pode fazer vĂtimas inocentes. Um caso emblemĂĄtico desta preocupante realidade foi o da comerciante Elisane Aparecida Moreira Dias, 36 anos, morta com um tiro nĂŁo direcionado a ela enquanto trabalhava no seu prĂłprio restaurante, no dia 29 de outubro, na Avenida Governador Valadares, no Manoel HonĂłrio. O assassinato aconteceu quando um atirador perseguia um desafeto, que entrou na pizzaria para tentar escapar dos disparos. O alvo dos tiros, 18, foi atingido cinco vezes, mas sobreviveu. A tragĂ©dia poderia ter sido maior, jĂĄ que um menino, 11, acabou alvejado de raspĂŁo no abdĂŽmen.
AlĂ©m de mostrar a presença da arma de fogo em cerca de 80% dos casos de 2016, o raio X da violĂȘncia tambĂ©m revela que a Zona Norte, detentora do maior espaço territorial e do maior nĂșmero de habitantes, continua liderando os homicĂdios, com 48 ocorrĂȘncias. As regiĂ”es Sudeste e Leste seguem atrĂĄs, com 28 e 24 assassinatos, respectivamente. Para o titular da Delegacia Especializada de HomicĂdios, Rodrigo Rolli, hĂĄ visĂveis diferenças entre os crimes violentos contra a vida ocorridos em cada extremo. “Os grupos rivais das regiĂ”es Leste e Sudeste estĂŁo ligados ao trĂĄfico, como os da Olavo Costa e do Santa Rita, onde fizemos vĂĄrias operaçÔes este ano. SĂŁo indivĂduos que estĂŁo disputando pontos de venda de drogas, entĂŁo o homicĂdio Ă© marcado mais pela guerra do trĂĄfico. Na Zona Norte, hĂĄ uma peculiaridade, as brigas sĂŁo mais banais, os assassinatos acontecem muito pela rivalidade de uma cultura bairrista que surgiu na Ă©poca do funk, e que ainda fomenta isso.” Ele destacou que, apesar das diferenças, em ambos os casos “uma leva a outra por vingança da morte de um comparsa e assim por diante”.
“As operaçÔes sĂŁo pautadas nesse sentido: apurar o mais rĂĄpido possĂvel para evitar a vingança. A PolĂcia Civil estĂĄ apurando e pedindo as prisĂ”es para tentar dar um basta nisso. Mas querem demonstrar força, sabem que matam em um dia e vĂŁo morrer no outro.” Segundo Rolli, nessa ciranda da morte, nĂŁo sĂŁo sĂł as vĂtimas formadas por jovens em sua maioria, mas tambĂ©m os autores. “O conflito estĂĄ nesta faixa etĂĄria, de atĂ© 25 anos. Os que morrem sĂŁo jovens, e os que matam tambĂ©m sĂŁo.”
158 pessoas detidas pela PolĂcia Civil
Cento e cinquenta e oito pessoas foram presas e apreendidas em açÔes desencadeadas pela Delegacia Especializada de HomicĂdios apenas este ano. O nĂșmero de detençÔes Ă© maior do que o de mortes violentas, jĂĄ que muitos crimes sĂŁo praticados por mais de um autor. Apesar do ĂȘxito obtido pela especializada em 2016, com a mĂ©dia de uma captura a cada dois ou trĂȘs dias, o delegado Rodrigo Rolli anunciou algumas mudanças para este ano.
“Queremos pautar o trabalho pela qualidade, porque quantidade de resposta rĂĄpida jĂĄ conseguimos. Precisamos da certeza de que o JudiciĂĄrio possa efetivar as condenaçÔes. NĂŁo faremos somente prisĂ”es, mas um suporte probatĂłrio, com oitivas veladas por meio da lei de proteção Ă testemunha. Vamos trazer mais cientificismo para a investigação, para que o MinistĂ©rio PĂșblico, o JudiciĂĄrio e os prĂłprios jurados tenham uma visĂŁo mais concreta do crime.” Ele enfatizou que a população tem que participar, mesmo que de forma velada. “A polĂcia sozinha nĂŁo vai fazer milagre.”
O objetivo do delegado Ă© evitar que homicidas fiquem impunes ou voltem rapidamente Ă s ruas, situação em que a reincidĂȘncia criminal Ă© praticamente certa. Como exemplo, ele citou o caso dos integrantes de duas gangues rivais do Santa Rita, que jĂĄ foram presos inĂșmeras vezes. Segundo as investigaçÔes, um deles Ă© responsĂĄvel por disparar os tiros que mataram a comerciante Elisane Aparecida Moreira Dias. O mesmo grupo tambĂ©m jĂĄ havia sido responsabilizado pela morte de outro inocente, 50, atingido por um tiro no peito durante a execução de um jovem, 25, morto com 18 perfuraçÔes em outubro de 2014, dentro da Uaps do Santa Rita.
“Vamos adotar posturas diferenciadas, novas condutas de investigação para tentar mudar essa dinĂąmica, esse ciclo que Ă© difĂcil de quebrar, essa cultura de violĂȘncia. Vamos trabalhar para reprimir e evitar a vingança. Mas conseguir diminuir a criminalidade foge Ă mĂŁo da polĂcia, porque faltam polĂticas pĂșblicas, principalmente pautadas na educação. AlĂ©m da questĂŁo econĂŽmica, vĂĄrios bairros sĂŁo carentes em vĂĄrias ĂĄreas, como saĂșde e educação. Isso acaba refletindo na segurança, porque causa revolta”, concluiu o delegado.
Articulação de polĂcias e apoio do poder municipal
Para o sociĂłlogo especialista em segurança pĂșblica, Luis FlĂĄvio Sapori, o trĂĄfico de drogas e o crescimento dos roubos Ă mĂŁo armada sĂŁo os principais fatores que explicam o recrudescimento das mortes violentas no Brasil e servem de pano de fundo para os casos de mortes violentas registradas em Juiz de Fora. “O trĂĄfico de drogas tem recrutado cada vez mais jovens. Isso Ă© somado Ă facilidade de acesso a armas de fogo e Ă disputa por pontos de venda de drogas. O segundo fator Ă© o crescimento dos assaltos Ă mĂŁo armada que resultam nos latrocĂnios”, destaca o especialista. Para ele, o Poder PĂșblico municipal pode contribuir para mudar essa realidade. Sapori ressalta que a criação de uma secretaria de segurança pĂșblica por parte da Prefeitura de Juiz de Fora Ă© uma boa medida, mas que sozinha nĂŁo basta, havendo a necessidade de investir em projetos. “O combate das mortes violentas passa mais pela responsabilidade das polĂcias e da Justiça, pois a redução da violĂȘncia estĂĄ diretamente ligada com a redução da impunidade. Mas a Prefeitura pode ajudar muito na questĂŁo da prevenção de furtos e roubos nas regiĂ”es comerciais da cidade por meio da Guarda Municipal, que nĂŁo precisa ficar aquartelada, cuidando apenas de patrimĂŽnio pĂșblico. Ela pode ir para a rua e fazer um patrulhamento preventivo e comunitĂĄrio nestas regiĂ”es. A Prefeitura ainda pode ajudar muito na prevenção ao trĂĄfico de drogas por meio de programas de prevenção social Ă violĂȘncia juvenil, tentando inserir jovens e adolescentes na sociedade e contribuindo para diminuir a vulnerabilidade social deles, reduzindo as chances de ingressarem no mundo do trĂĄfico de drogas”, enfatiza Sapori, acrescentando: “O problema de Juiz de Fora Ă© articulação das polĂcias, pois o dĂ©ficit de policiais nĂŁo pode ser justificativa, pois ele existe em todas as grandes cidades do estado. Quando se lida com escassez de recursos humanos e materiais, Ă© preciso haver integração, inteligĂȘncia e troca de informaçÔes. Ă preciso chamar o MinistĂ©rio PĂșblico para participar e, assim, a Prefeitura pode ser a grande galvanizadora dessa articulação.”
JUSTIĂA
Ao que cabe ao Poder JudiciĂĄrio, conforme informaçÔes do FĂłrum Benjamin Colucci, foram realizados, no ano passado, 205 julgamentos e 567 audiĂȘncias referentes a homicĂdios consumados e tentados. “A Justiça, o MinistĂ©rio PĂșblico e a Defensoria PĂșblica estĂŁo trabalhando, e a parte que cabe a eles vem sendo realizada com Ăndice de reconhecimento estadual e atĂ© nacional, pois pode ser que alguma comarca consiga fazer o mesmo nĂșmero de julgamentos que Juiz de Fora faz no Tribunal do JĂșri, mas nĂŁo consegue fazer mais, porque realizamos em 2016 praticamente um jĂșri por dia, e houve ainda dois mutirĂ”es ao longo do ano”, afirmou TristĂŁo, acrescentando que o Tribunal de JĂșri conta, atualmente, com dois promotores, dois defensores e dois juĂzes. “Enquanto eu faço o jĂșri, estĂĄ sendo realizada audiĂȘncia por outro juiz. NĂŁo Ă© por falta de julgamentos que o Ăndice de mortes tem aumentado e Ă© certo que esse trabalho impacta essa questĂŁo de forma positiva.”
COMISSĂO
O aumento das mortes violentas na cidade Ă© preocupação tambĂ©m da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que, no final de 2016, instalou uma comissĂŁo para apontar alternativas junto com as autoridades do setor. “Uma reuniĂŁo jĂĄ foi realizada a fim de apontar como Ă© possĂvel ajudar na questĂŁo do combate Ă violĂȘncia. A OAB se preocupa com o rumo e o aumento dos crimes, fazendo-se necessĂĄria uma ação para estancar o problema”, afirma JoĂŁo Lourenço, presidente da OAB Juiz de Fora. Ele alerta ainda que a Ordem tem chamado a atenção do Estado para a necessidade de providĂȘncias em relação ao municĂpio.
PM diz implementar açÔes em bairros
Implementar açÔes nos bairros de Juiz de Fora a fim de conter o avanço da violĂȘncia tem sido, como afirma a PolĂcia Militar, parte da rotina da corporação. No caso da Zona Sudeste, onde fica a Vila Olavo Costa (ocupa o 1Âș lugar no ranking), o Bairro Santo AntĂŽnio (2Âș), a Vila Ideal (7Âș) e o Furtado de Menezes (8Âș), o lançamento de operaçÔes policiais Ă© planejado de acordo com os dias, horĂĄrios e locais de maior incidĂȘncia. AlĂ©m disso, conforme a PM, Ă© realizado um mapeamento das gangues atuantes na regiĂŁo, apontando os principais autores e realização de açÔes preventivas e repressivas, como cumprimento de mandados de prisĂŁo e apreensĂŁo. Houve ainda o lançamento da Base ComunitĂĄria MĂłvel nos bairros em questĂŁo, visando a aproximação da PolĂcia Militar com a comunidade. A PM tambĂ©m destaca diversos serviços de utilidade pĂșblica que foram ofertados Ă s comunidades, com a distribuição de cestas bĂĄsicas, brinquedos e serviços de assistĂȘncia social; e a criação do Grupo Especializado em Patrulhamento em Ăreas de Risco.
No que diz respeito aos bairros Jardim Natal (3Âș), Vila Esperança II (6Âș), SĂŁo Judas Tadeu (8Âș), Parque das Ăguas (9Âș) e Benfica (10Âș), todos na regiĂŁo Norte do municĂpio, a PM afirma que, por meio de anĂĄlises estatĂsticas, vem sendo realizado um monitoramento constante dos principais autores de homicĂdio, alĂ©m das localidades de maior incidĂȘncia deste tipo de crime. A corporação ressalta que uma parcela significativa de adolescentes infratores estĂĄ diretamente envolvida com as mortes nessa regiĂŁo, seja como autor ou vĂtima.
Grupos rivais acirram conflitos no Centro
Sobre o Centro da cidade (5Âș), a PM lembra que a ĂĄrea enfrentou uma sĂ©rie de brigas de gangues, uma vez que, por ser considerada um campo neutro, grupos rivais se encontravam na regiĂŁo central e desencadeavam açÔes violentas. Todavia, como aponta a PM, nos Ășltimos anos, o nĂșmero de confrontos e, consequentemente, casos de homicĂdios tentados e consumados diminuĂram. A instituição atribui tal resultado devido a açÔes e estratĂ©gias pontuais, focadas no problema. Dentre essas açÔes, a PM aponta o mapeamento de grupos rivais; acompanhamento das açÔes desses grupos por meio de rede social; identificação das autorias dos crimes e monitoramento de autores; parcerias com outros ĂłrgĂŁos na busca de soluçÔes em conjunto.
JĂĄ na Zona Leste, onde encontram-se os bairros Linhares (2Âș), Santa Rita (4Âș), SĂŁo Benedito (4Âș) e Santa CĂąndida (10Âș), foram implementadas açÔes de aproximação social, que propiciaram a inserção da PolĂcia Militar na comunidade, a fim de levar diversos serviços aos moradores e propiciar melhoria na sensação de segurança local. A PM ainda destaca a transferĂȘncia temporĂĄria da sede da 70ÂȘ Companhia da PM para o Posto de Policiamento ComunitĂĄrio do Linhares, que lĂĄ funcionou no mĂȘs de novembro e inĂcio do mĂȘs de dezembro de 2016, garantindo o funcionamento diurno e noturno do posto policial, com intensa movimentação de policiais militares. A reativação do Posto de Policiamento ComunitĂĄrio do Linhares tambĂ©m foi enfatizada pela PM. Segundo ele, a unidade permanece em funcionamento na maior parte do dia, a fim de atender demandas de registros de ocorrĂȘncias, servir de ponto de apoio para viaturas e de referencial fĂsico da PM no bairro. Para o Santa Rita, a PM citou a criação da Patrulha de Prevenção Ativa, tambĂ©m com foco na aproximação da comunidade, estabelecendo vĂnculo de confiança com os moradores e comerciantes. AlĂ©m do lançamento de diversas operaçÔes pautadas na repressĂŁo, como prisĂŁo de infratores e retirada de armas das ruas; e a criação do Conselho de Segurança PĂșblica (Consep) em toda a ĂĄrea a cargo da 70ÂȘ Companhia.
A TM entrou em contato com a Prefeitura de Juiz de Fora a fim de que pudesse expor suas açÔes e projetos nas ĂĄreas de educação, saĂșde, cultural e social voltados aos enfrentamentos de violĂȘncia, mas, atĂ© o fechamento desta edição, nĂŁo obteve resposta.