Romantização da maternidade e isolamento silenciam sofrimento mental das mães

Tribuna inicia série do setembro amarelo abordando saúde mental materna e os impactos de estigmas e falta de apoio


Por Elisabetta Mazocoli

07/09/2025 às 06h00

Para muitas mulheres, a gestação, o puerpério e a criação de um filho não são acompanhados por sentimentos de amor e dedicação, como muitos imaginam, mas de um sofrimento emocional que, até há pouco tempo, não era sequer nomeado. A depressão pós-parto é um transtorno que acomete cerca de 25% das mães no Brasil, ainda que muitas ainda não saibam do que se trata – mas não é o único adoecimento mental materno que acomete essa faixa. Outras mulheres também sofrem com psicose e, ao longo da vida, desenvolvem ansiedade, depressão e outros transtornos mentais que se agravam com a romantização da maternidade e o isolamento que sofrem. No período perinatal, o suicídio é uma das principais causas de morte materna, de acordo com dados da OMS, o que evidencia a necessidade de tratar o tema com seriedade. A Tribuna inicia neste domingo (7) a série de matérias dedicada ao setembro amarelo – mês dedicado à conscientização e prevenção ao suicídio. Na primeira reportagem, o foco é a importância de preservar a vida de quem a gera. As matérias, voltadas a diferentes públicos, serão publicados aos domingos até o fim do mês.

“Hoje, consigo entender que lido com o adoecimento mental materno desde que sou criança”, explica a produtora de conteúdo e podcaster Thaynná Favero, de 33 anos, sobre o diagnóstico que teve quando se tornou mãe do Dom. Ela passou a perceber sintomas após o nascimento do filho, diagnosticado com Síndrome de Down. Na época, ela conta ter sofrido por não ter descoberto a condição a tempo de se preparar melhor para a maternidade atípica. “Veio muito medo do que ele iria enfrentar pela frente, como preconceito, falta de inclusão, ter que lutar por plano de saúde e terapia”, conta. Com o tempo, passou a sentir dificuldades para sair de casa, chorava com frequência e deixou seus próprios projetos de lado.

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Thaynná Favero relata o impacto do adoecimento mental após o nascimento do filho Dom e destaca a importância de buscar ajuda profissional (Foto: Arquivo Pessoal)

A esteticista Ingri Fernandes, 55 anos, também enfrentou desafios após duas gravidezes na adolescência. “Eu tentei suicídio algumas vezes. Não foi fácil me recuperar. Na minha segunda filha, não sabia como administrar as duas pequenas”, lembra. A situação se agravou quando descobriu que a filha mais nova convivia com deficiência auditiva e autismo. “Não sobrava dinheiro pra eu procurar ajuda pra mim, era tudo pra ela naquele momento (…) Toda a minha estrutura não estava pronta pra aquilo”, relata.

Segundo a psicóloga e professora da Estácio, Valéria Fonseca, esses relatos mostram como o adoecimento mental pode aparecer em diferentes momentos da vida: há os que se desenvolvem em mulheres que já têm histórico de problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, e aqueles que se desenvolvem a partir da gravidez. “Toda vez que uma mulher está grávida e já tem dificuldades emocionais graves, ela deve ser atendida. O sofrimento mental pode aparecer na menopausa ou adolescência, é uma possibilidade. Mas na gravidez, temos um nível de tensão muito alto, que pode comprometer a saúde mental”, explica.

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Ingri Fernandes enfrentou dificuldades nas gestações na adolescência e encontrou forças na relação com as filhas para superar o sofrimento (Foto: Arquivo Pessoal)

Sinais de alerta e fatores de risco

O diagnóstico, a partir do momento em que os sintomas aparecem, pode se tornar ainda mais difícil justamente pelos fatores que agravam a doença: a romantização da maternidade e o isolamento.

“O isolamento contribui para que a pessoa comece a ter pensamentos confusos e de impotência, e ainda temos aquela sina de que a mulher tem que dar conta de tudo, mas não é assim”, explica Valéria.

Por isso, a psicóloga alerta que, principalmente nos primeiros meses após o nascimento da criança, é preciso estar atento a sintomas de tristeza profunda, desespero, dificuldade em realizar tarefas diárias, cansaço extremo, medos intensos relacionados ao bebê e até mesmo pensamentos de fazer mal a si mesma ou à criança. 

Também há fatores de risco que devem chamar a atenção, entendendo no entanto que não são definidores para a ocorrência dos sintomas: histórico pessoal ou familiar de depressão, falta de estrutura familiar durante a gravidez, eventos estressantes e problemas socioeconômicos, além de alterações hormonais significativas. Uma medida importante para entender que esse quadro pode estar acontecendo, na visão da profissional, é estar cercada do “contato com outras mulheres e participação da família”. 

Cuidados ao longo da vida

O adoecimento mental materno, no entanto, não acontece apenas com a depressão pós-parto, e mesmo se desencadeado por ela exige atenção durante toda a vida.

É o que percebeu Thaynná. “Aceitar o meu próprio diagnóstico foi primordial para eu explicar para as pessoas o que eu estava passando.” Ela procurou ajuda psiquiátrica e psicológica, recebeu o diagnóstico e deu continuidade ao tratamento. Percebeu, então, que esse movimento também seria um exemplo de força para a família e uma forma de não perpetuar o silenciamento de dores que, há gerações, atinge mulheres que ela conhece.

O mesmo aconteceu com Ingri, que conseguiu reestruturar a sua vida e ver suas filhas crescendo. “Foram minhas filhas que me deram força pra lutar.”

 

 

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