Jovens vulneráveis ao crime em lan houses


Por Guilherme Arêas

07/06/2012 às 07h00

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As lan houses deixaram de ser apenas estabelecimentos para acesso à internet e se transformaram, em determinados locais de Juiz de Fora, em problema de segurança pública. Alguns desses espaços têm sido utilizados como ponto de encontro de gangues de bairros e até de iniciação de adolescentes no mundo das drogas. Nos últimos dois anos, dois jovens foram assassinados dentro de lan houses da cidade. A polícia também já flagrou a atuação de traficantes nesses espaços. A presença de menores de idade é outra questão delicada, alvo de uma lei municipal publicada em 2007. Ela estabelece uma série de regras (ver quadro), como o cadastro dos usuários e a proibição da presença de adolescentes em certos horários da noite. Nesta semana, a Tribuna foi a três estabelecimentos, nas regiões Sul, Cidade Alta e Sudeste, e nenhum exigiu cadastramento prévio. O problema é maior nas periferias, onde o número de residências com acesso à internet tende a ser menor, e as lan houses acabam atraindo mais jovens. Dados do censo demográfico realizado em 2010 pelo IBGE apontam que 90.996 domicílios em Juiz de Fora contam com computador, o que corresponde a 53% das casas, sendo que 74 mil têm acesso à internet. 

No mês passado, um jovem de 19 anos foi executado, com quatro tiros à queima-roupa, em uma lan house no Bairro JK, região Sudeste. Os suspeitos do homicídio, de 29 e 39 anos, entraram no estabelecimento usando toucas ninja e dispararam contra o jovem. O dono da lan house chegou a oferecer dinheiro, achando que se tratava de um assalto, mas a dupla fugiu sem roubar. Os dois homens foram capturados, e o de 29 anos alegou estar sendo ameaçado pela vítima. Em 2010, um adolescente de 17 anos também foi assassinado em uma lan house no Ponte Preta, Zona Norte. O suspeito detido na época, da mesma idade da vítima, confessou o crime, motivado por rixa entre gangues dos bairros Ponte Preta e Vila Esperança I. 

Há relatos inclusive de atuação de traficantes em lan houses. Em abril deste ano, um rapaz de 22 anos foi preso com crack e maconha quando saía de uma lan house no Vitorino Braga, Zona Sudeste. Segundo a PM, o local era frequentado por adolescentes. 

A família de um jovem dependente de crack, que morreu no início do ano, aos 24 anos, suspeita que os primeiros contatos do jovem com as drogas, aos 17 anos, tenha ocorrido no mesmo momento em que ele começou a frequentar uma lan house na Zona Norte. Conforme a mãe do rapaz, o filho passava horas, inclusive a madrugada, no estabelecimento, onde, segundo ela, consumia drogas.

A falta de controle dos pais sobre o que o filho fazia na lan house também levou outra família da Zona Norte a uma tragédia particular. Morador do Jóquei II, um adolescente de 14 anos foi morto por jovens de uma gangue rival, no final do ano passado, no meio da rua. Poucas semanas depois, o pai falou à Tribuna: "Ele esquematizava tudo através do computador, na lan house. Conversava com as meninas, fazia as afrontas…" Alguns meses antes, o adolescente havia postado no YouTube um vídeo dele mesmo segurando uma arma de fogo. 

Fiscalização

A assessoria da Secretaria de Atividades Urbanas (SAU) informou que os fiscais de postura fiscalizam o cumprimento de normas, como a existência de placas de orientação e as licenças de funcionamento dos estabelecimentos, além de verificar se as lan houses cumprem a determinação de estar a mais de cem metros de distância de escolas de nível fundamental e médio. Sobre a presença de menores de idade nesses locais, ninguém da Vara da Infância e da Juventude se pronunciou. Nenhum representante da Polícia Militar também foi encontrado para falar sobre o assunto. 

 

Estratégico para o tráfico

A presença indiscriminada de adolescentes nas lan houses é um atrativo para o tráfico de drogas, alerta a delegada da Polícia Civil Ângela Fellet. "Isso facilita a venda de entorpecentes, pois os traficantes sabem que vão encontrar menores de idade, que são mais vulneráveis. A venda de drogas pode ser combinada inclusive pela internet."

Conforme a delegada, as lan houses também têm servido como ponto de encontro de gangues, além de abrigo para jovens que, cada vez mais, praticam crimes cibernéticos usando computadores instalados nesses espaços. "Acontecem muitos crimes via e-mail, como ameaças e injúria. As pessoas acham que é uma forma de usar a internet sem serem facilmente interceptadas pela polícia. Mas temos como chegar à autoria de um crime", garante. 

Diante do risco do mau funcionamento desses estabelecimentos, Ângela Fellet defende que os donos de lan houses cumpram a lei municipal e façam o cadastro dos usuários, bem como das informações sobre horário de uso, facilitando investigações policiais. "Os proprietários podem ser responsabilizados sobre o uso indevido da lan house."

O titular da Delegacia Especializada em Investigação de Crimes Cibernéticos (DEICC) da Polícia Civil de Minas Gerais, Pedro Paulo Marques, concorda. "Se existe uma lei municipal impondo o cadastro dos clientes, e o dono da lan house não age dessa forma, ele deve ser responsabilizado.

Legislação

Um projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa quer proibir a colocação de películas, adesivos e outros objetos nas fachadas que impeçam a visualização do interior das lan houses e cibercafés. A proposta, de autoria do deputado Leonardo Moreira (PSDB), aguarda parecer da Comissão de Segurança Pública do Legislativo estadual. 

"Considerando que os referidos estabelecimentos são frequentados em sua grande maioria por menores e considerando que crimes envolvendo crianças e adolescentes podem ser cometidos no interior desses locais, esta medida tem como finalidade tutelar bens, como a vida e a integridade física dos usuários", justifica o deputado.

Em Juiz de Fora, a lei municipal 11.426 não vem sendo cumprida em sua totalidade. Nos três estabelecimentos visitados esta semana pela Tribuna, nos bairros São Pedro, São Mateus e Vitorino Braga, nenhum exigia cadastro. A presença de adolescentes fora do horário permitido não foi constatada, mas muitos jovens jogavam games com alto grau de violência. 

 

Imagem policial afetada

A febre nas lan houses de Juiz de Fora são os jogos baseados no estilo do famoso GTA (Grand Theft Auto, nome de um tipo penal, em inglês, usado para identificar furtos de veículos), game que gera polêmica em todo mundo por pregar a liberdade de cometer crimes de toda espécie, como roubar veículos, matar inocentes, atropelar pedestres e praticar diversos tipos de vandalismo. Nas versões feitas por programadores brasileiros, os jogadores podem roubar viaturas das polícias Civil e Militar de vários estados brasileiros, inclusive de Minas Gerais. Personagens vestidos com fardas semelhantes à da PM também são vistos. 

Isso fez com que o titular da Delegacia Especializada em Investigação de Crimes Cibernéticos (DEICC) da Polícia Civil de Minas Gerais, Pedro Paulo Marques, abrisse inquérito para investigar se há algum tipo de delito no jogo. "Encaminhamos para a Justiça o pedido de quebra de sigilo para descobrir a autoria desses jogos e colher provas para que possamos dar andamento às investigações."

Para o policial, "jogos nesse estilo ou qualquer coisa que atente contra a segurança pública prejudicam a formação das crianças". "Neste caso, o limite imposto pelos pais é imprescindível", completa Pedro Paulo.

Já a delegada Ângela Fellet sugere a classificação indicativa dos games, como ocorre na TV, quando determinados programas podem ser desaconselhados dependendo da faixa etária do telespectador. "Alguns jogos são uma forma de incitar a violência, despertar a curiosidade para arma e banalizar a morte, de forma que os jovens desejem imitar os ‘heróis virtuais’, formando sua personalidade em cima daquilo que jogam."

 

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