Doenças do coração são as que mais matam em Juiz de Fora
Levantamento inclui os distúrbios vasculares e representa mais de 20% dos óbitos por doenças do sistema circulatório entre 2013 e 2018. Para especialista, dado é alarmante e requer campanha de conscientização e medidas de prevenção
Os distúrbios que afetam o sistema circulatório constituem a principal causa de óbitos por doenças em Juiz de Fora, pelo menos nos últimos seis anos. A pedido da Tribuna, a Secretaria de Saúde disponibilizou o levantamento das doenças que mais fazem vítimas fatais na cidade. No período entre 2013 e 2018, foram registrados 5.987 mortes decorrentes destes distúrbios, número que representa cerca de 23% do número total de óbitos por doenças no mesmo período.
Para se ter ideia, disfunções como acidente vascular cerebral (AVC), infarto e hipertensão, somadas a demais doenças do aparelho circulatório mataram mais do que neoplasias (tumores) – que aparecem em segundo lugar na lista de doenças mais fatais, no mesmo intervalo de tempo (ver quadro). A pasta ainda não tem os dados comparativos de óbitos entre as doenças de 2019. O número total de mortes por distúrbios do sistema circulatório de janeiro a junho deste ano, contudo, segue expressivo: 413 óbitos já foram registrados pelo município.
“Se fizermos um paralelo e compararmos, por exemplo, as doenças que acometem o sistema circulatório, iremos verificar que elas matam três vezes mais que as doenças pulmonares, e chegam a ser até dez vezes mais frequentes do que o câncer de mama ou a AIDS”, exemplifica o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de fora (UFJF) e chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário (HU/UFJF), Hélio Lima de Brito Júnior.
O professor destaca que o número de mortes por essas doenças é alarmante, mas que a circunstância tem ganhado pouca atenção da mídia e, às vezes, da própria gestão de saúde. “Existem muitas campanhas de conscientização da Saúde, muitas são amplamente divulgadas pela mídia, e está correto. Mas pouco se fala das doenças do sistema circulatório e, que hoje, é a principal causa de morte natural, podendo matar até dez vezes mais que o câncer de mama, por exemplo” Em sua opinião, talvez falte conscientização e orientação à população para que uma das mais importantes condutas sejam tomadas: a prevenção dos fatores de risco.
Terceiro lugar
A significativa ocorrência de mortes, por estas doenças, na cidade, conforme pesquisa da Tribuna junto ao Datasus, coloca a cidade em terceiro lugar do Estado em número de óbitos por doenças do sistema circulatório, nos últimos dois anos – depois de Belo Horizonte e Montes Claros. Segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES), Minas Gerais teve, em 2018, 31.417 registros. Destes, quase 3% ocorreram em Juiz de Fora. A tendência dos dados do município também se aplica no país. De acordo com informações do Ministério da Saúde, doenças do aparelho circulatório também constituem a principal causa de morbimortalidade no Brasil e no mundo.
De acordo com o professor Brito Júnior, as doenças e óbitos em decorrência de acometimentos do sistema circulatório e do coração são “a principal causa de morte natural na população, em Juiz de Fora e no resto do mundo ocidental e industrializado”. O especialista avalia que, no mundo moderno, é habitual que as pessoas tenham um padrão e estilo de vida que favoreçam a formação de maus hábitos – como sedentarismo, por exemplo -, e a resistência em adotar novos comportamentos. “Juiz de Fora tem um padrão de vida que se assemelha à média do mundo”, diz.
O cardiologista ainda analisa que o coração, por ser um órgão vital e responsável pela circulação do sangue no organismo, ao sofrer acometimentos graves, gera distúrbios. “Por ser tão vital e tão importante, as doenças que afetam o coração e o sistema circulatório são as principais causas de morte. É comum a gente falar que o coração é o órgão que mais mata”.
Fatores de risco podem ser modificados
Outro ponto importante que contribui para o aumento número de casos destas doenças e, por consequências, óbitos, cita o cardiologista, é o desenvolvimento de fatores de risco. “Os fatores modificáveis, que podem ser acompanhados e revertidos por meio de tratamentos e de medidas de saúde, são vários; os principais, que mais acometem a população são, por exemplo, a pressão alta, a hipertensão arterial, o colesterol alto, que é a gordura no sangue, e o diabetes, condição em que o açúcar no sangue está elevado”.
Esses fatores, como explica o médico, são desenvolvidos, principalmente por hábitos considerados inadequados, como alimentação com alta ingestão de gorduras, açúcares e carboidratos. Ele também frisa hábitos comportamentais como risco. “O tabagismo pode passar batido; é um fator de risco importantíssimo. Tabagismo, diabetes e colesterol alto são os três piores (fatores de risco). E se livrar do tabagismo é uma coisa relativamente simples, é só a pessoa parar de fumar. E parar de fumar não somente causará efeitos positivos no coração, irá também diminuir as chances de câncer de pulmão, de câncer de mama, e de AVC, por exemplo”. Obesidade e o sedentarismo também são condições de risco para as doenças do coração, lembra o especialista.
A diarista Sandra Cristina Gomes, 46 anos, descobriu, no ano passado, que é hipertensa. Após sentir dores na nuca e queimação na região do peito, ela conta que procurou a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Bairro Igrejinha, referência da região em que reside. Após consulta no local, Sandra conta que foi encaminhada para consulta e controle no HU. “Quando consultei no posto, minha pressão estava cerca de 18 por 7, altíssima. Eu precisar fazer controle. Então fui encaminhada para consulta com cardiologista no HU e passei a tomar remédios e controlar a alimentação”. Após o período inicial de tratamento, ela garante que sua pressão tem permanecido estável e alega estar satisfeita com o tratamento recebido. “Eu gostei muito do tratamento, fez efeito, e agora tenho mais controle da saúde. Pretendo continuar o acompanhamento com o médico e me prevenir”.
O esposo de Sandra, o aposentado Alex Sandro Cardoso, 44, também é hipertenso. Em tratamento há quatro anos, ele também garante que tem cuidado da saúde com uso de medicamento e dieta. No caso dele, o tratamento é feito diretamente na UBS e, lá, ele tem o acompanhamento de profissionais para controle da pressão alta. Para Sandra, o fato de o marido lidar, por anos, com a hipertensão, a ajudou a se adaptar melhor ao tratamento. “Por ele já se cuidar e tratar, quando descobri que tinha pressão alta, já sabia como seria minha rotina. Agora, me cuido e acho que as pessoas devem fazer o mesmo e sempre procurar o posto para conferir como está a saúde”, recomenda.
Hipertensão, AVC e infarto são as que mais matam
Do total de mortes por complicações e doenças do sistema circulatório, entre 2013 e 2017, 44% estiveram associadas à hipertensão, AVC e infarto, em Juiz de Fora, de acordo com os registros da Secretaria de Saúde. A pasta afirmou que o Município oferece acompanhamento e tratamento aos pacientes com disfunções cardiológicas e no sistema circulatório. O tratamento de saúde em cardiologia conta com rede própria, ofertada por meio dos Serviço de Hipertensão, Diabetes e Obesidade e Ambulatório de Cardiologia, localizado no quinto andar do PAM-Marechal; e com rede complementar, formada pelo HU/UFJF, Santa Casa de Misericórdia, Fundação Instituto Clínico, Hospital Maternidade Therezinha de Jesus e Hospital Regional Dr. João Penido.
Impacto
Também são consideráveis, além dos impactos familiar e social, os efeitos deste alto número de óbitos na rede de saúde. “O impacto desse alto número de óbitos é enorme. Temos essa realidade (alto número de óbitos), mas antes de ter a morte em si, você tem essas pessoas doentes, utilizando o sistema de saúde, tanto o público quanto o da rede suplementar. Muitas vezes, esses pacientes têm insuficiência cardíaca e precisam internar. Aliás, é uma das principais causas de internação. Então, o impacto no sistema de saúde é enorme, principalmente para o sistema público, porque gera um custo”. Brito Júnior pontua os gastos. “Às vezes, necessitam de intervenção, procedimentos, como cateterismo, fazer implante de um stent, ou marca-passo, até mesmo um aparelho mais sofisticado, e que têm impacto no sistema de saúde público e suplementar.
Então, quando você analisa que as pessoas, muito provavelmente, ficaram doentes antes de virem a óbito por essas doenças, e precisaram se submeter a tratamentos, você percebe que impacto é enorme. É também um dos principais gastos do sistema de saúde”.