Adolescente de JF busca tratamento na Tailândia
Aos 14 anos, Victor luta contra doença degenerativa, e os pais Vanor e Wanilda precisam de cerca de R$ 80 mil para levá-lo à Tailândia
Todo garoto de 14 anos tem sonhos. O de Victor é ser design de carros. Ou então engenheiro mecânico. O que o difere dos demais adolescentes da sua idade e que pode comprometer seus planos é uma doença de nome um pouco complicado, ainda sem cura e que reduz a expectativa de vida dos pacientes. A distrofia muscular progressiva de Duchenne é quase exclusiva de meninos. A cada 3.500 nascidos, um vem ao mundo com um defeito no gene localizado no braço curto do cromossomo X. A mutação pode ser nova ou herdada da mãe. Os efeitos são a perda progressiva da força muscular, começando pelos membros inferiores, região pélvica, chegando aos membros superiores, até acometimento dos músculos cardíacos e respiratórios. A medicina tem buscado a cura, mas, por enquanto, há apenas tratamentos que ajudam a melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Uma das técnicas mais comentadas atualmente é feita na Tailândia, por meio de injeções de células-tronco. A família de Victor lançou uma campanha para custear o tratamento do adolescente no país do Sudeste asiático. A viagem, a internação e as aplicações tornam o procedimento caro: cerca de US$ 27 mil. Na cotação para a moeda brasileira, o valor chega a quase R$ 80 mil.
E esse dinheiro, a família não tem. Quem sustenta a pequena casa em um condomínio popular no Jóquei Clube, Zona Norte de Juiz de Fora, é o pai, um tecelão de 52 anos, que conta com as horas extras para reforçar a renda. Há sete anos a família busca na Justiça a aposentadoria de Victor, sem sucesso. “Não sei se a gente vai conseguir levantar esse dinheiro. Muita gente já veio me falar que é pra gente se contentar. Mas contentar é não tentar. A gente quer tentar, em prol do nosso filho. Contentar, nunca!”, diz Vanor Siqueira Filho. Mesmo sem familiaridade com a tecnologia, ele criou um blog (www.victoraraujolagedesiqueira.blogspot.com.br), onde busca sensibilizar os usuários para a campanha. Uma página no Facebook (SOS Victor Juiz de Fora MG) também foi criada.
‘Uma surpresa a cada dia’
A doença de Victor foi diagnosticada entre 4 e 5 anos de idade, após uma diretora perceber que o garoto tinha dificuldades para subir a escada da escolinha que ele frequentava. As quedas frequentes também chamavam a atenção. A confirmação do diagnóstico abalou a família. “A médica logo falou que não tinha cura e que a única indicação seria a fisioterapia, para retardar o que a doença traria futuramente. Por ser progressiva, a distrofia muscular iria agravar com problemas cardíacos e pulmonares”, diz a mãe, Wanilda de Araujo Lage Siqueira, 49.
Aos 9 anos, como previsto pelos médicos, Victor perdeu a força das pernas e passou a se locomover por meio de cadeira de rodas. Hoje a doença já lhe tirou a força dos braços. Resta-lhe, porém, movimentos no antebraço, suficientes para que o garoto vaidoso ainda consiga ajeitar o cabelo, escrever, navegar na internet, jogar videogame e desenhar personagens de desenho animado e os carros que tanto gosta. Mas cada vez mais, Victor depende dos pais para executar tarefas simples, como tomar banho e se virar na cama à noite. “Essa doença nos dá uma surpresa a cada dia”, diz o pai.
Na idade de Victor, muitas crianças já nem conseguem mais estudar devido a alterações cognitivas (de aprendizado) causadas pela própria doença. Não é o caso do adolescente. Extremamente consciente da doença que carrega e sabendo que ainda não há cura, Victor não se entrega. Foi ele próprio quem pesquisou na internet as novidades sobre a doença. E pediu aos pais que não desistissem de buscar uma alternativa que melhorasse sua qualidade de vida. “Eu fiquei pensando como seria meu futuro, porque poderia perder meus movimentos. Fiquei preocupado e comecei a pesquisar.”
A vontade de viver – e com qualidade – contagiou a família, os amigos e quem mais convive com Victor. No ano passado, os professores da Escola Estadual Professor Teodoro Coelho autorizaram que a mãe começasse a escrever os deveres de casa para o filho. A direção ainda construiu um banheiro adaptado para o garoto.
Ajuda para regenerar fibras musculares
Se conseguir levantar o dinheiro pretendido, Victor deverá ficar na Tailândia por pelo menos 25 dias, tempo que dura o protocolo de tratamento para pacientes com distrofia muscular de Duchenne no Better Being Hospital. O centro trabalha com medicina funcional, que incluiu fisioterapias, terapia ocupacional, terapia aquática, acupuntura e uma equipe nutricional, que trabalha na reeducação alimentar do paciente e da família. As aplicações de células-tronco são feitas por equipes da Beike Biotechnolgy, laboratório que se apresenta como “o maior fornecedor de células-tronco do mundo, com foco em pesquisa, desenvolvimento de produtos e tradução clínica de células-tronco adultas, bem como imunoterapia”. Quem faz a ponte entre Brasil e Tailândia é um vereador da cidade de Irati, no Centro-Sul do Paraná. Emiliano Gomes fundou em 2013 a Fundação Fenix, que oferece suporte às famílias que precisam realizar tratamento com células-tronco no exterior, fornecendo as informações sobre os procedimentos e auxiliando os pacientes no trajeto, comunicação e documentação.
“Nós realizamos o acompanhamento no início, durante e após o tratamento para que possamos conhecer os reais ganhos do paciente, visto que o objetivo da Fenix é mostrar para o Governo federal a importância do tratamento de doenças crônicas com células-tronco e seus resultados potenciais. Os governantes precisam conhecer melhor e acompanhar de perto o tratamento com as células, o que para nós já é uma realidade, a qual podemos enxergar com os próprios olhos”, disse, em entrevista por e-mail à Tribuna.
Conforme Emiliano, os protocolos especiais de tratamento com células-tronco da Beike Biotechnolgy já foram usados em mais de 60 mil transplantes desde 2001. Desde 2013, quando a Fundação Fenix foi criada, oito pacientes com distrofia muscular de Duchenne já foram encaminhados para tratamento na Tailândia.
“O objetivo do tratamento é ajudar a regenerar as fibras musculares perdidas ou danificadas, injetando células-tronco nos músculos afetados. As células-tronco têm capacidade de substituir as células mortas ou feridas, trazendo melhorias na condição do paciente. O tratamento com células-tronco comprovadamente também ajuda a retardar a progressão da perda de massa muscular. É importante lembrar que o tratamento não é uma cura. A distrofia muscular é uma doença progressiva e o primeiro objetivo da terapia é retardar a progressão da doença e aliviar sintomas.”
Emiliano garante que todas as transações financeiras são realizadas entre o hospital e as famílias dos pacientes. O valor do tratamento para distrofia muscular de Duchenne varia de acordo com as necessidades do doente, mas inclui hospedagem para o paciente e acompanhante, alimentação para o portador da doença e translado entre o aeroporto e o hospital. O tratamento de 25 dias é realizado por quatro médicos especialistas, enfermeiros 24 horas e atividades diárias baseadas na medicina funcional.
Efeito a longo prazo é desconhecido
Ao mesmo tempo em que a ciência dá passos significativos na busca pela cura de doenças ainda fatais para os humanos, esses avanços nem sempre são suficientes para as famílias dos pacientes. Desde que descobriram a mutação genética de Victor, os pais Vanor e Wanilda não medem esforços para dar uma vida melhor ao filho. Buscaram especialistas no Rio e em São Paulo, incluindo a equipe de Mayana Zatz, uma das maiores geneticistas da atualidade. Mas o andamento das pesquisas no país decepcionou o casal. “Para o cientista, dez anos é pouco tempo. Mas, para nós, que vivemos a doença no dia a dia, passa rápido demais. Temos pressa”, diz o pai de Victor.
Ver o filho perder os movimentos a cada dia e não poder reverter a situação é desesperador para os pais. Por isso, eles decidiram recorrer ao tratamento na Tailândia, país cuja legislação para tratamentos com células-tronco é mais flexível do que no Brasil. A oferta desse tipo de serviço desagrada parte da comunidade médica brasileira, por expor os pacientes a tratamentos ainda experimentais, criando uma espécie de “turismo de células-tronco”.
O fundador da Fundação Fenix, Emiliano Gomes, garante que a empresa que atua na Tailândia é líder em pesquisas com células-tronco adultas, com controle de qualidade e certificações internacionais de segurança. “As células estaminais Beike têm sido usadas em mais de 16 mil pacientes, sem efeitos adversos”, diz.
A pediatra Ana Lúcia Langer, que durante anos foi diretora clínica da Associação Brasileira de Distrofia Muscular e atualmente integra a equipe do Centro de Estudos Genoma Humano, da USP, afirma que não há estudos que comprovem a eficácia das aplicações de células-tronco na Tailândia. “O tratamento com células-tronco ainda não é uma coisa para agora.”
A pneumologista pediátrica Patrícia Dahan, responsável por acompanhar a condição respiratória de Victor no Hospital Universitário da UFJF, explica que, embora não conheça a fundo o tratamento na Tailândia, há estudos que comprovam os benefícios do uso de células-tronco em pacientes com distrofia muscular de Duchenne. O tratamento tem permitido o retorno de alguns movimentos, aumentando a qualidade de vida do portador da doença. “O problema da célula-tronco é que ainda não temos estudos a longo prazo. Do mesmo jeito que ela pode assumir a forma de uma célula que a gente quer, ela pode se transformar em uma célula cancerígena. Mas o que interessa para os pacientes que têm distrofia muscular de Duchenne é o curto prazo. Se levarmos em conta que a expectativa de vida para eles varia de 18 a 25 anos, o que puder aumentar esse prazo é válido.”
Em Juiz de Fora, o HU atende a outros casos da distrofia muscular de Duchenne. Os pacientes desse tipo de doença costumam ser acompanhados por profissionais das áreas de fisioterapia, cardiologia, pneumologia e neurologia. A médica explica que a cura ainda não foi alcançada, mas que a expectativa é de que Victor possa ter de volta alguns movimentos básicos que lhe permitam, por exemplo, cuidar da própria higiene pessoal. “Ele não vai chegar no Brasil andando”, reconhece a mãe. “E ele sabe disso”, reforça o pai. “Mas pelo menos poderia andar com andador”, espera Victor.
As doações para a campanha que a família de Victor lançou para custear o tratamento podem ser feitas para uma conta poupança no nome de Victor Araujo Lage Siqueira na Caixa Econômica Federal (Agência 2419 / Conta 00011908-9 / Operação 013 / CPF 105.839.536-03).