STF condena Bolsonaro a 27 anos de prisão por tramar golpe; defesa do ex-presidente diz que penas são ‘absurdamente excessivas’

Primeira Turma do STF aplica pena por cinco crimes e determina multa de 248 salários mínimos


Por Estadão Conteúdo

12/09/2025 às 07h46

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira (11) o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes. Bolsonaro, de 70 anos, foi sentenciado por liderar um plano de ruptura institucional com o objetivo de se manter no poder após a derrota na eleição presidencial de 2022. Além dele, outros sete réus, incluindo militares de alta patente foram condenados na ação penal.

Considerado histórico, o julgamento marcou a primeira condenação de um ex-presidente e oficiais do alto escalão das Forças Armadas por atentar contra a democracia no Brasil. Os crimes estão previstos na Lei n.º 14.197, sancionada pelo próprio Bolsonaro, que substituiu a Lei de Segurança Nacional (LSN).

Depois de formar maioria para condenar o ex-presidente por todos os cinco crimes atribuídos a ele na denúncia, a Primeira Turma definiu o tamanho da pena. Da punição de 27 anos e 3 meses de prisão, Bolsonaro deve cumprir 24 anos e 9 meses de reclusão e 2 anos e 6 meses de detenção, ou seja, em regime semiaberto ou aberto.

Monitorado por tornozeleira eletrônica, o ex-presidente cumpre atualmente prisão preventiva domiciliar por descumprimento de medidas cautelares em outro inquérito. A determinação foi dada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal que terminou com a condenação do chamado “núcleo crucial” da trama golpista, conforme denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Além disso, a Primeira Turma do STF também aplicou ao ex-presidente uma multa de 248 salários mínimos. O valor exato ainda será calculado no processo. É considerado o valor do salário mínimo vigente à época dos crimes e, depois, o total é atualizado até a data do pagamento.

Bolsonaro foi condenado por cinco crimes – organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União.

Como relator do processo, Moraes sugeriu a pena e foi acompanhado por outros três ministros da Turma: Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Luiz Fux, o único ministro que votou pela absolvição de Bolsonaro, não se posicionou a respeito da dosimetria.

Defesa de Bolsonaro: penas absurdamente excessivas e desproporcionais

Os advogados Celso Vilardi e Paulo Amador da Cunha Bueno, que representam Bolsonaro, classificaram como “absurdamente excessivas e desproporcionais” as penas para ele e os demais réus do núcleo crucial da trama golpista. A defesa informou que vai aguardar a publicação do acórdão para avaliar os recursos cabíveis, “inclusive no âmbito internacional”.

Os criminalistas disseram respeitar a decisão, mas manifestaram “profunda discordância e indignação”.

“Continuaremos a sustentar que o ex-presidente não atentou contra o Estado Democrático, jamais participou de qualquer plano e muito menos dos atos ocorridos em 8 de janeiro”, diz a nota dos advogados de Bolsonaro.

jair bolsonaro condenado
Foto: Lula Marques / Agência Brasil

Confira o que disse a defesa de Bolsonaro

“A defesa do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, recebe a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal com respeito. Contudo não pode deixar de manifestar profunda discordância e indignação com os termos da decisão majoritária.

Nesse sentido, continuaremos a sustentar que o ex-presidente não atentou contra o Estado Democrático, jamais participou de qualquer plano e muito menos dos atos ocorridos em 8 de janeiro.

Também continuamos a entender que o ex-Presidente deveria ter sido julgado pela primeira instância ou, se assim não fosse, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal; da mesma forma, não podemos deixar de dizer, com todo o respeito, que a falta de tempo hábil para analisar a prova impediu a defesa de forma definitiva.

A defesa entende que as penas fixadas são absurdamente excessivas e desproporcionais e, após analisar os termos do acórdão, ajuizará os recursos cabíveis, inclusive no âmbito internacional.

Celso Vilardi

Paulo Amador da Cunha Bueno”

Maioria

Zanin, que preside a Primeira Turma da Corte, foi o responsável pelo quarto e último voto para condenar o ex-presidente e os outros sete réus. O placar do julgamento ficou em 4 a 1. Completaram a maioria Moraes, Dino e Cármen Lúcia. Fux foi o único que divergiu e ficou vencido.

Além do ex-presidente, foram condenados no processo Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro).

Delator no processo criminal, Cid recebeu a pena mais branda: 2 anos em regime aberto. Braga Netto foi condenado a 26 anos em regime inicial fechado; Torres e Garnier, a 24 anos em regime inicial fechado; Paulo Sérgio, a 19 anos em regime inicial fechado; Augusto Heleno, a 21 anos em regime inicial fechado; e Ramagem, a 16 anos, 1 mês e 15 dias em regime inicial fechado.

A sessão de ontem foi marcada pelos votos de Zanin e Cármen Lúcia. O ministro, que chegou ao Supremo após se notabilizar como advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que o indicou para a Corte – defendeu em seu voto que Bolsonaro era o líder de uma organização criminosa, tinha “posição de comando” e seria o maior beneficiário de um golpe.

‘Conexão’

Para Zanin, os discursos do ex-presidente contra as urnas e o Poder Judiciário têm “evidente conexão causal” com o fomento a ações violentas. Pelo seu entendimento, Bolsonaro incitava publicamente a militância para minar a confiança nas instituições, enquanto, nos bastidores, aliados, com aval do então presidente, articulavam as medidas operacionais do golpe.

“Muitos dos fatos que envolvem a participação do ex-presidente foram materializados de forma pública em manifestações nas quais o esgarçamento das relações institucionais se apresentava como estratégia política populista, mas cujos contornos mais ilegítimos foram revelados por um universo robusto de provas documentais e testemunhais”, afirmou Zanin.

Além dos discursos, o ministro destacou atos efetivos do ex-presidente, como a apresentação aos comandantes das Forças Armadas da “minuta de golpe”. Em interrogatório, o ex-presidente admitiu ter considerado decretar estado de defesa ou de sítio, mas alegou que desistiu da ideia depois de concluir que as medidas não teriam viabilidade.

O ministro conectou uma cadeia de acontecimentos que, na avaliação dele, culminaram no 8 de Janeiro – quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes, em Brasília. A estratégia foi a mesma usada na denúncia da PGR e no voto de Moraes.

“Não houve mera expressão de opiniões controversas, mas um concerto de ações voltadas à permanência no poder. Primeiro, por meio da tentativa frustrada de coatar a livre atuação do Poder Judiciário e de interferir nas eleições. Depois, por meio de atos de força que viabilizassem como estopim a deflagração de uma resposta institucional armada com apoio das Forças Armadas e manutenção do grupo no poder”, defendeu Zanin.

Deputado

Todos os réus – exceto Ramagem – foram condenados pelos cinco crimes relacionados na acusação formal. Em relação ao deputado do PL, o processamento da denúncia dos crimes associados ao 8 de Janeiro (deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União) estão suspensos, porque ocorreram após a diplomação dele no Congresso. Após condenar Ramagem a 16 anos de prisão, o STF declarou a perda do mandato do parlamentar. O voto de Moraes foi acompanhado por Dino, Cármen Lúcia e Zanin. Agora, a Câmara será notificada para sustar o mandato.

Primeira a se manifestar ontem, depois da divergência aberta pelo ministro Luiz Fux em voto de mais de 12 horas proferido anteontem, Cármen Lúcia afirmou que o julgamento do ex-presidente dos outros réus é “quase um encontro do Brasil com o seu passado, com seu presente e com o seu futuro”.

‘Diferencial’

Antes de iniciar a leitura do voto, a ministra fez um discurso sobre a importância do processo para a democracia. “Talvez o diferencial mais candente desta ação penal seja, além do ineditismo do tipo penal a ser aplicado, a circunstância de estarmos a afirmar que a lei é para ser aplicada igualmente para todos”, disse Cármen Lúcia.

Sem mencionar Fux, que defendeu que “não compete ao STF realizar um juízo político do que é bom ou ruim”, a ministra afirmou que o STF tem o “compromisso” de dar uma resposta à sociedade. “Não há que se inventar normas ad hoc para punir golpistas. Isso também seria autoritarismo e, portanto, uma afronta ao estado democrático de direito. Mas, no Brasil, o que estamos tentando fazer é valer a norma vigente.”

Com esse posicionamento, Cármen Lúcia se alinhou ao relator, Moraes, que descartou a “impunidade” como alternativa para a pacificação do País, e a Dino, para quem os crimes contra a democracia não são sujeitos a anistia.

“O que define a paz que nós sempre devemos buscar não é a existência do esquecimento. Às vezes, a paz se obtém pelo funcionamento adequado das instâncias repressivas do Estado”, defendeu Dino.

Apesar da condenação pelos cinco crimes, a prisão definitiva de Bolsonaro não ocorre automaticamente. Depois da decisão, começam a contar os prazos para recursos. Caso seja decretado o início imediato do cumprimento da pena, o colegiado vai decidir se Bolsonaro continua em prisão domiciliar ou se será transferido para a penitenciária da Papuda, em Brasília, ou ainda para uma cela especial da Polícia Federal.

No STF, a regra é que o condenado aguarde em liberdade o trânsito em julgado, quando todos os recursos disponíveis à defesa já foram esgotados. Mas, como Bolsonaro já está em prisão domiciliar, é improvável que ele seja liberado até a análise dos recursos.

No caso dos réus que não estão presos, eles podem recorrer em liberdade até a análise de todos os recursos, exceto se for decretada uma prisão provisória para evitar fuga, por exemplo.

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