Juiz-foranos no Reino Unido repercutem impacto provocado pela morte de Elizabeth II
Moradores do Commonwealth e países europeus próximos também refletem sobre a reação da população
A morte da rainha da Inglaterra Elizabeth II, nesta quinta-feira (8), aos 96 anos, causou grande comoção entre a população do Reino Unido. Desde que o anúncio foi feito, milhares de pessoas se dirigiram para a frente do Palácio de Buckingham para prestar homenagem à rainha. Há ainda outras tantas homenagens realizadas por pessoas que acompanham a monarquia e por líderes de países em todo o mundo. Juiz-foranos que estão do fora do Brasil, durante a data histórica, contaram para a Tribuna sobre a reação da população diante da morte de Elizabeth II e acerca do que acreditam serem os próximos passos da monarquia.
“A cidade parou. As pessoas estão muito tristes. A rainha tem muita história aqui em Londres”, afirma Virgínia Vaz Silva, governanta, que conta que essa é a primeira impressão que tem sobre o falecimento da majestade. Moradora da capital da Inglaterra há mais de três anos, Virgínia diz que nota um respeito enorme dos moradores pela monarca, mesmo entre aqueles que não são ingleses. “A população tinha muito orgulho dela”, ressalta. A conexão dos britânicos com Elizabeth II é tamanha que, em relação ao Brasil, Virgínia nem consegue pensar em uma figura brasileira que geraria grande comoção. “Acredito que no Brasil não tenha ninguém cuja morte causaria esse impacto. É uma coisa de louco aqui, o amor e o carinho que existe por ela”, diz.
A figura da rainha já estampava camisas por toda Londres, pois era ofertada como presente de lembrança em razão da visita à cidade. A soberana está marcada até na moeda inglesa. É por isso que o morador de York, há 20 anos, Eduardo Caetano, conta que o impacto foi grande assim que soube da notícia e considera que se estendeu para além do território britânico. “Ela era adorada pela maioria da população”, diz. Ele estava em Ibiza assim que soube da morte, e, até nessa cidade espanhola, afirma, “a festa parou por alguns instantes”. Suzane Ferreira, professora de educação física e moradora de Londres, também relata que, assim que soube, notou a emoção imediata das pessoas e a expectativa delas de que pudessem acompanhar de perto o enterro.
Os entrevistados acreditam que, mesmo com as controvérsias em relação ao trono, a rainha representava uma figura de estabilidade para os ingleses. Com a mudança, a postura da população frente à monarquia pode ser alterada. “Ninguém gosta muito do novo rei. Especialmente depois do aconteceu com a princesa Diana”, reflete Eduardo.
>Devoção faz parte da cultura inglesa

“Estamos vendo o país parar por uma figura monárquica que não tem de forma efetiva tanta influência no país em termos de influência política, mas que tem um poder que é simbólico”, considera Flávia Crizanto, que está há 4 semanas em Canterbury, na Inglaterra, fazendo intercâmbio. Segundo ela, foi notável o impacto da morte de Elizabeth II para a população inglesa. Ela está morando com uma família de ingleses e enxerga que o efeito se estende de forma clara na vida deles. “É uma figura que entra no ambiente privado, nas subjetividades, no comportamento, nas ideias. É um mito”, diz.
Flávia acredita que a perspectiva é que, mesmo com essa troca de coroa, a monarquia vai se manter forte. Na convivência com essa família, ela percebeu como a ligação do inglês médio com a família real é forte. “Estou morando com um casal. A mulher sente devoção mesmo pela rainha, mas, mesmo o marido, que não é tão devoto, você nota que ele sente muito respeito. Os dois ficaram vidrados acompanhando todas as notícias”, conta.
Em sua percepção, essa parcela da sociedade inglesa trata a monarquia como algo “extremamente natural e cultural para a sua vida”, e não enxerga que em um futuro próximo possa se ter um questionamento realmente forte sobre a existência dos monarcas. “Em meios mais intelectuais e políticos, no entanto, talvez se veja isso”, ressalta Flávia. Apesar dos ingleses amarem a figura da rainha Elizabeth II, na visão dela, isso não é necessariamente positivo. Para ela, a devoção cega à rainha impede que, muitas vezes, se discuta com clareza se ela foi “uma figura boa para o mundo ou para os países nos quais o Reino Unido deixou marcas”.
População aponta mudanças

Há clientes de Virgínia Vaz Silva, ainda, que choraram e ficaram inconsoláveis com a notícia. Ela nota que o impacto, ao contrário do que muitos pensam, foi notável tanto para crianças quanto para idosos. Para Eduardo Caetano, apesar do tanto que a rainha era querida, após seu falecimento, muitos também apontaram incoerências na postura dela – como por exemplo em relação ao escândalo envolvendo seu filho Andrew e Jeffrey Epstein, um conhecido e condenado criminoso sexual.
Para além do amor pela monarca que ainda resiste entre a população, também existe o medo das mudanças que essa morte pode trazer. “Essa é a principal preocupação de todos aqui, principalmente dos imigrantes. Nós já estávamos preocupados principalmente com relação ao Brexit, mas agora com a morte dela, acredito que muita coisa pode mudar, muita coisa pode acontecer”, diz Virgínia. Boa parcela dos moradores da Inglaterra, na visão dela, acaba tendo bastante preconceito contra os imigrantes que estão lá trabalhando, e esse cenário pode acabar trazendo ainda mais limitações em relação às condições de vida.
Pouco antes da morte da rainha, no último dia 7 de setembro, a nova primeira-ministra, Liz Truss, assumiu a liderança do governo no lugar de Boris Johnson. Na visão de Suzane Ferreira, a população ainda está esperando para ver como vai se adaptar a tantas mudanças acontecendo de uma vez só. “É muita informação nova. As pessoas ainda estão meio com o pé atrás”, diz. Além disso, ela conta que parte da população tem tecido críticas em relação à Truss, principalmente a acusando de racismo e xenofobia – o que pode corroborar os receios que Virgínia apresenta.
Moradora de Dublin repercute impactos mesmo em colônia da Inglaterra

Apesar da República da Irlanda não fazer parte do Reino Unido, centenas de anos de história e localização geográfica próxima ligam fortemente esses países. Luisa Moreira, que mora em Dublin desde 2018, percebeu de perto o quanto a morte da rainha pareceu afetar a dinâmica do dia a dia na cidade irlandesa. Ela trabalha na equipe de comunicação oficial do primeiro-ministro de lá, Micheál Martin, e conta que o trabalho inclusive foi redobrado. “Ontem, quando estava no trabalho, teve uma comoção muito grande. Estávamos gravando um vídeo com o primeiro-ministro, e precisamos mudar tudo. Todos ficaram muito chocados, só se comentava disso a tarde inteira. O primeiro-ministro mesmo deu uma coletiva falando como ela foi importante nessa pacificação entre a República da Irlanda e a Irlanda do norte”, diz.
A república da Irlanda recebeu uma influência muito grande do Reino Unido, porque foi colônia e só conquistou a independência muito recentemente, em 1919. A Irlanda Do Norte, no entanto, continua sendo parte do Reino Unido, o que há anos também gera uma tensão entre os dois países, como conta Luísa. “Essas tensões foram amenizadas quando o acordo da sexta-feira santa foi assinado, e a rainha teve um papel muito grande nesse acordo. Ela era conhecida como uma pessoa que construía pontes”, diz.
Fora do trabalho de Luísa, os irlandeses também estavam com total atenção voltada para o acontecimento. “Muitos comemoravam, porque, claro, a Irlanda tem uma relação muito difícil com o Reino Unido até hoje, por mais que tenha melhorado”, diz. De acordo com sua experiência, principalmente após o Brexit, as tensões se afloraram novamente. “E também porque a Irlanda foi colônia do Reino Unido, e muitas pessoas não gostavam dela, a viam como colonizadora”, diz. Mesmo neste cenário, todos os prédios governamentais da República da Irlanda hastearam a bandeira até a metade em homenagem a Elizabeth II.
Intercambista na Austrália, país da Commonwealth, nota “indiferença”

A Austrália fica a mais de 15 mil km da Inglaterra – mas, por ter sido colônia inglesa, faz parte da união conhecida como Commonwealth Realm. Nos países que englobam esse grupo, a relação com a monarquia pode ser bem diferente do centro do Reino Unido. João Gabriel Valle, estudante que está fazendo intercâmbio em Sidney, conta que notou indiferença entre a população. “Acho que eles não têm uma relação tão direta e afetiva com ela, ou com a questão da monarquia”, diz.
Nas redes sociais, ele até notou uma certa ironia sendo feita em relação a isso. Mesmo assim, conta que, na televisão, só se falava sobre ela, e até a Opera House, símbolo da cidade australiana, fez uma homenagem projetando a foto de Elizabeth II. “Mas fora isso, nada de muito pomposo ou grandes homenagens”, revela. Ele acredita que essa indiferença possa estar realmente relacionada com a formação da Commonwealth e a colonização nesses países.