‘Gente que fez a Tribuna’: Kaká Guilhermino e a TM na ditadura
Em celebração aos 40 anos da Tribuna, 40 profissionais que já passaram pelo jornal compartilham suas memórias, publicadas no portal, de 7 de julho a 31 de agosto, em contagem regressiva para o aniversário da Tribuna, no dia 1º de setembro
A importância de uma imprensa livre
Luiz A. M. Guilhermino (Kaká), trabalhou na Tribuna de 1981 a 1987 e nos anos 1990
Uma das experiências profissionais mais ricas que tive ao longo de anos de estrada no jornalismo foi, sem sombra de dúvidas, entrar na Redação da Tribuna de Minas, na Rua Halfeld, anexo a Academia, com dezenas de outros jornalistas. Estávamos aceitando um desafio que não tínhamos a ideia de sua magnitude. Começar do zero um novo jornal para concorrer diretamente com o Diário Mercantil e Diário da Tarde, do lendário Diários Associados de Assis Chateaubriand. Não era pouca coisa.
Fui editor de Política com o país ainda mergulhado na ditadura militar. O cuidado necessário nunca nos roubou a ousadia de fazer um jornalismo isento e combativo. A liberdade de imprensa e a democracia não podem andar separadas. Assim pautamos nossa atuação: com firmeza, determinação e em cima dos fatos. Informação clara e objetiva. O lado empresarial representado por Juracy Neves e Afonso Ribeiro da Cruz sempre procurou apoiar e defender a autonomia da Redação.
Foi assim que ousamos ligar da Redação de um jornal do interior de Minas Gerais para o gabinete do Ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. O que a Tribuna de Minas poderia querer com o ministro era a pergunta que várias secretárias faziam. Até que depois de muitos telefonemas o ministro atendeu. Uma pequena entrevista para saber o motivo que o militante pedetista Ney Jacinto Pereira continuava preso. O motivo foi ter dito numa reunião que o elevado custo de vida poderia levar o país a uma hecatombe. O ministro – que não sabia o que acontecera – ficou espantado e, já no fim da noite, chegou a ordem de soltura de Ney Jacinto. Uma ousadia em nome da liberdade e da democracia.
Outro momento marcante foi a visita do então governador de Minas, Francelino Pereira (Arena), a Rio Preto, distante quase 100km de Juiz de Fora. Naquele momento, logo após a lei da Anistia, muito se discutia a respeito da não punição dos torturadores. E, nesse contexto, valia uma boa entrevista política. Em uma centenária fazenda de café, o governador falou com a TM enquanto visitava os ambientes. Até que um amplo espaço com diversos instrumentos de tortura para escravos chamou a atenção de todos. Principalmente do fotógrafo da Tribuna. O resultado foi uma matéria na qual o governador justificava a não punição dos torturadores. E a foto era do governador ao lado de um instrumento de tortura….
Num determinado momento com três de seus jornalistas sendo processados pela Lei de Segurança Nacional (eu, Malu Guilhermino e Renato Henrique Dias), Juracy e Cruz foram solidários e ofereceram o advogado da empresa para o caso. O comandante da 4ª Região Militar, um general do Exército, convocou ambos e, sutilmente, sugeriu demissões dos que respondiam processo na LSN. Juracy Neves não se intimidou e disse que de seus jornalistas ele cuidava, independentemente das posições políticas e ideológicas de cada um. A liberdade de imprensa e a democracia falaram mais alto que a farda verde-oliva.
No início dos anos 80, o metalúrgico e fundador do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, vestido com uma camiseta do João Ferrador, símbolo do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, visitou a Redação da Tribuna ainda na parte alta da Halfeld. Tomou cafezinho em um copo americano na cantina do jornal falando sobre a conjuntura política nacional com diversos jornalistas curiosos em conhecer aquele líder de greves que enfrentava a ditadura. Tanto quanto hoje, Lula era demonizado na mesma proporção que era admirado por muito trabalhadores que depositavam nele a esperança de mudanças. Foi com este ímpeto que o testemunhei ser recebido no portão da tão poderosa Facit, onde mostrou sua solidariedade, distribuiu um jornal com os avanços das campanhas paulistas e discursou para os metalúrgicos de Juiz de Fora.
Passagens como essas demonstram a importância de uma imprensa livre e da luta constante pela democracia. A cada dia, a cada fato, aprendemos e aprimoramos a visão crítica, fundamental para o exercício do jornalismo e para bem informar o leitor e a sociedade.
Tópicos: tribuna 40 anos