O espectro do ramonismo
Um espectro ronda São Januário – o espectro do ramonismo. Todas as potências da velha Guanabara unem-se em uma Santa Aliança para conjurá-lo: os radicais da Gávea, os aristocratas das Laranjeiras e os supersticiosos de General Severiano. Os ramonistas já expõem, abertamente, ao Brasil inteiro, seu modo de ver, seus objetivos e suas tendências, opondo um manifesto instintivamente cruz-maltino à lenda do espectro ramonista – ou, deveras, nem tão lendário assim. O ramonismo está para além da personalização de Ramon Menezes. Ou de diálogos castelhanos travados por Germán Cano e Martín Benítez. Para além da altivez do bonapartista Leandro Castán e do onipresente Andrey. O ramonismo é, em um limiar condenatório, a apoteose do espírito cruz-maltino.
O ramonismo tem lá as suas agruras, como o duvidoso Fellipe Bastos, um eufemismo para desespero. Já Bruno César passa ao largo do desespero, porque mobiliza o ódio mais genuíno de qualquer cruz-maltino. Yago Pikachu é um alicerce de uma das instituições mais antigas do futebol brasileiro: o lateral com preocupantes dificuldades em defender o próprio território, mas dotado de uma desfaçatez natural em atacar as trincheiras adversárias na primeira oportunidade que lhe é oferecida. Ah, sem comentar Lucas Ribamar, que, em quaisquer aparições, causa nada menos do que um furor entre os cruz-maltinos.
Mas o ramonismo é um delírio coletivo. Desses catárticos mesmo. É uma purgação do espírito cruz-maltino, que parecia fadado ao ressentimento depois de campanhas passadas medíocres. O ramonismo é um reencontro dos próprios vascaínos com o Vasco que foi encerrado, em 2012, no Pacaembu, por Diego Souza diante de Cássio. À primeira vista, soa como algo pequeno, miserável, mas, dentre todos os clubes brasileiros, quais torcedores tiveram a audácia de estabelecer e nomear um dogma próprio? Seja com prefixo ou sufixo? Há quem diga, inclusive, que ateus já estão repensando a sua relação com a fé depois de acometidos pelo ramonismo.
Os ramonistas sabem que o ramonismo, porventura, acabará, mas não é isso o que interessa. Como qualquer delírio coletivo, basta, neste momento, a rendição, sobretudo no futebol brasileiro, em que qualquer euforia está condenada a ser fugaz. O único pecado que acomete o ramonismo é ter sido deflagrado em meio a estádios, por força de ordem, vazios, ainda que, paradoxalmente, o afastamento dos cruz-maltinos das arquibancadas tenha contribuído de maneira peculiar às liturgias do ramonismo. Espero que a Colina possa ser ainda tomada pelo espectro do ramonismo de corpo, não somente de alma.