Sol e praia favorecem o surgimento de quadros agudos de diarreia; saiba como evitar
Medidas simples, como a higienização das mãos e a escolha cuidadosa dos alimentos a serem consumidos, são essenciais para garantir tranquilidade durante as férias
Praia, sol e verão: um cenário perfeito para quem aprecia o calor e busca um merecido descanso para celebrar o final do ano. No entanto, nos dias mais quentes, é comum enfrentar sintomas como dores abdominais, náusea, vômitos, diarreia, fraqueza e, em alguns casos, até febre. Esses sinais são frequentemente observados durante a estação e podem indicar um quadro de gastroenterite, cujas causas podem ser variadas, incluindo agentes infecciosos como vírus, bactérias, toxinas bacterianas ou até mesmo parasitas. Por isso, é fundamental manter a atenção e adotar medidas simples para evitar contratempos e preservar o prazer das férias.
O sinal mais clássico da gastroenterite é a diarreia aguda. As idas frequentes ao banheiro, acompanhadas de fezes amolecidas ou até líquidas, podem resultar em desidratação, e, se não forem tratadas adequadamente, podem levar a problemas mais graves. Esse quadro é especialmente preocupante em crianças, idosos e pessoas imunodeprimidas.
De acordo com a infectologista Emy Akiyama Gouveia, do Hospital Israelita Albert Einstein, o problema pode ocorrer devido ao consumo de água ou alimentos contaminados. Os alimentos tendem a se deteriorar mais facilmente em altas temperaturas, especialmente quando não são devidamente refrigerados e manipulados. Além disso, o contato com superfícies contaminadas também pode representar um risco.
“No verão, aumentam os quadros diarreicos porque a conservação dos alimentos fica prejudicada com o aumento da temperatura, especialmente nas barracas de praia e nos ambulantes. Provavelmente, aquele alimento não está devidamente conservado e começa a ocorrer proliferação de bactérias. Eventualmente, essas bactérias podem produzir toxinas. A manipulação também nem sempre segue cuidados de higiene e, por isso, aumentam os riscos de contaminação”, explicou.
A infectologista ressalta que nem sempre um alimento contaminado apresenta aparência, aspecto ou gosto ruim. Ainda assim, a ingestão pode levar a um quadro diarreico importante e, algumas vezes, com necessidade de ida ao pronto-socorro. “Em alguns quadros, a diarreia e o vômito são tão intensos que a pessoa não consegue fazer a reposição de líquidos por via oral nem ingerir nenhuma medicação para cortar o vômito. Nesses casos, a gente recomenda procurar o atendimento médico porque no pronto-socorro a hidratação é feita de forma mais efetiva e rápida, assim como a infusão de medicamentos pela via endovenosa”, disse a médica, ao acrescentar que existem outros sinais de alerta, como febre alta e diarreia com muco, sangue ou pus.
Cuidados com as crianças
O infectologista Marco Aurélio Safadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), ressalta que, nesta época do ano, as crianças muitas vezes se expõem a temperaturas muito altas, não se hidratam adequadamente e correm o risco de sofrer insolação e desidratação.
“Os pais devem tomar cuidado com o excesso de calor e manter crianças e idosos sempre hidratados. Como nem sempre sabemos a origem da água, devem privilegiar o consumo de água mineral em embalagens fechadas para garantir maior segurança”, disse.
Há vários agentes possíveis causadores da gastroenterite infecciosa. Entre os vírus, os mais comuns são o norovírus, o rotavírus e o adenovírus. O norovírus, em particular, é amplamente conhecido no verão: ele é um dos agentes infecciosos mais prevalentes, altamente transmissível, desencadeando sintomas gastrointestinais. Além disso, sua resistência a alguns produtos de limpeza é um agravante, permitindo que permaneça em superfícies higienizadas.
Devido à facilidade de transmissão, o norovírus costuma provocar surtos de infecção em praias e cruzeiros marítimos. Em janeiro deste ano, por exemplo, a cidade de Florianópolis, em Santa Catarina, enfrentou um surto de contaminação por norovírus, registrando seis vezes mais casos de pessoas com Doença Diarreica Aguda (DDA) em apenas um mês do que durante o ano inteiro de 2022.
“O norovírus é muito prevalente. Antes, o rotavírus era a principal causa de hospitalização por diarreia no Brasil. Mas desde que implementamos a vacinação contra o rotavírus [já são mais de 15 anos que a vacina integra o programa nacional de imunização], diminuímos de forma relevante as hospitalizações por causa do rotavírus. Hoje, o norovírus é a causa número um de internação por diarreia”, frisou Safadi.
O infectologista acrescentou que o norovírus é um agente que acomete todos os grupos etários, com período de incubação muito curto – os sintomas aparecem muito rapidamente após a contaminação, geralmente em 24 horas. “Ele transmite muito fácil. Em idosos e crianças, pode ser muito severo e causa até risco de morte. Não há vacina contra o norovírus nem remédio específico. O que a gente faz é tratar a desidratação”, alertou.
Entre as bactérias conhecidas por causar diarreia e que geralmente contaminam água e alimentos, destacam-se a Salmonella, a E. coli, o Campylobacter, a Shigella, entre outras. Algumas dessas bactérias têm a capacidade de produzir toxinas, resultando em um quadro diarreico que se manifesta rapidamente, muitas vezes em questão de horas. No entanto, é importante notar que, nessas situações, a melhora também pode ocorrer de maneira rápida.
Leve seu próprio alimento para a praia
Como não é possível evitar a presença desses microrganismos na praia, a recomendação é levar o próprio alimento para a areia. Dê preferência a produtos industrializados, embalados e que não exijam refrigeração ou que não estraguem facilmente com o calor. Caso opte por levar lanches, é aconselhável armazená-los em caixas térmicas para manter a temperatura adequada. Se notar que o gelo da caixa já derreteu, o ideal é descartar o alimento.
Se a pessoa preferir consumir produtos nas barracas da praia, a recomendação é evitar a ingestão de alimentos crus ou que contenham produtos crus, além de escolher comprar a comida em uma barraca ou quiosque em que seja possível observar como os alimentos estão conservados, como são higienizados e manipulados.
“É importante salientar que vamos para a praia nos divertir e não precisamos deixar de comer. A coisa mais deliciosa é comer tapioca, um açaí. A dica é observar o comportamento daquele vendedor, se a barraquinha dele está limpa, se ele higieniza as mãos adequadamente antes de manipular o alimento. É aí que ocorre a contaminação do alimento que a pessoa vai ingerir”, orientou a infectologista do Einstein.
Gouveia ressalta, ainda, que o uso de luvas nem sempre significa que a higienização está adequada. “Muitas vezes, o profissional usa uma única luva durante todo o processo: manipula o alimento, mexe com o dinheiro, vai até a lixeira. Não adianta. O ponto essencial é a higiene correta das mãos e no momento adequado”, alertou a infectologista.
Outro ponto importante a ser observado é sobre o gelo consumido na praia. Com o calor, a tendência é pedir bebidas com gelo em cubos, mas é preciso saber a procedência dessa água e se é potável. “Esse é outro ponto crítico e fonte comum de contaminação. Está muito calor, as pessoas pedem gelo. Mas não pode ser uma água qualquer, de torneira. As raspadinhas, por exemplo, são um perigo porque não sabemos a origem daquela água. Um copo pode estragar a viagem”, disse Gouveia.
A infectologista destaca também a importância da lavagem das mãos antes de consumir qualquer alimento. “Quando estamos na praia, costumamos comer petiscos com as mãos. Mas dificilmente vemos as pessoas higienizarem elas antes. O mundo ideal seria lavar as mãos com água e sabonete, mas, como isso nem sempre é possível na praia, um frasco de álcool em gel ajuda muito. Não custa nada higienizar as mãos e pode evitar problemas depois”, disse.
É importante também lembrar de checar se a água da praia está própria para banho, pois muitos agentes infecciosos causadores de diarreia podem estar no mar – e até um simples banho pode se tornar uma fonte de contaminação. “Muitas vezes, o acúmulo de pessoas nas praias acaba sobrecarregando a infraestrutura das cidades litorâneas. A água do mar pode estar contaminada nessa época porque há um volume maior de esgoto, inclusive com ligações clandestinas. Isso pode levar à contaminação por coliformes fecais, que podem provocar desde infecções de pele até gastroenterites”, alertou Safadi.
Como é o tratamento?
Não existe um tratamento específico para as gastroenterites causadas por infecções virais. Em geral, envolve medicação para alívio dos sintomas, muita hidratação com soro ou água de coco, consumo de alimentos leves e esperar o problema regredir espontaneamente. Os especialistas não recomendam o uso de bebidas isotônicas, pois elas são indicadas apenas para a reposição oral depois de exercícios físicos.
Em algumas infecções bacterianas, o uso de antibióticos pode ser indicado, mas a escolha deve ser feita após avaliação médica, dependendo do quadro clínico. Já para a intoxicação alimentar causada por toxinas, não há um tratamento específico; geralmente, a abordagem é aguardar que os sintomas passem naturalmente.
“Em casa, indicamos repouso, hidratação e uso de medicação para evitar náusea e enjoo. O mais importante é a hidratação oral. Se o paciente não conseguir, deve procurar o pronto-socorro. Em casos de diarreia, também não recomendamos que usem produtos para segurar a diarreia por conta própria, o médico vai indicar se esta medicação pode ou não ser utilizada de acordo com o quadro clínico”, finalizou Gouveia.
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