‘É o meu legado’: aos 94 anos, morador do Bairu protege Bosque Comunitário desde 1983
Bosque Bairu foi transformado em Área de Preservação Permanente após luta de Ilson Marques Pinto; moradores se preocupam com atual falta de manutenção do local
Um pequeno mapa, antigo, plastificado e emoldurado com cuidado, sinaliza uma área de 5.410 metros quadrados – hoje, toda coberta por verde, com a marcação dos locais onde se pode encontrar diferentes espécies de plantas. As mesmas mãos que seguram o objeto foram as responsáveis por tornar esse espaço, que antes estava sem uso, coberto por mato, em uma Área de Preservação Permanente (APP). Aos 94 anos, Ilson Marques Pinto relembra os caminhos que percorreu para proteger o que viria a se tornar o Bosque Comunitário do Bairro Bairu, na Zona Leste de Juiz de Fora.
Quando a reportagem da Tribuna chegou na casa de Ilson, localizada próxima ao Bosque Bairu, no final da Rua Américo Luz, ele já estava esperando com todos os documentos que ajudam a contar essa história. Em cima de uma mesa, foram espalhados recortes de revistas e jornais, documentos assinados por ex-prefeitos, fotos antigas e livros que o próprio senhor Ilson escreveu com cada detalhe dos passos dados para tornar o local em uma área de preservação.
A movimentação para tirar a ideia do papel começou em 1983. Ilson havia acabado de se aposentar e, com o tempo disponível, quis “salvar”, como ele mesmo diz, esse terreno. Para isso, ele desenhou uma área ecológica para exemplificar como seria o espaço e levou até a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), que determinou o uso para fins de conservação ambiental. Em 1996, o Bosque virou Área de Preservação Permanente, por meio da Lei Municipal nº 8.918. Com a autorização, os trabalhos foram iniciados e aconteceu um mutirão para cercar os 5.410 metros quadrados, onde Ilson contou com a ajuda de cerca de 20 vizinhos.
Após essa ação, quem sempre esteve ali pelo bosque foi Ilson. Ele lutou para proteger a área e enfrentou, muitas vezes, falta de apoio do poder público e resistência de alguns vizinhos. Por um tempo, ele cuidou da área sozinho e plantou cem mudas de árvores nativas, concedidas pela Empresa Municipal de Pavimentação e Urbanidades (Empav). Entre os documentos, um catálogo se destaca com a indicação de mais de 67 espécies plantadas no local, como ipês, angicos e espécies que atualmente correm o risco de extinção. Uma delas é a jabuticaba-de-cipó, na época era a mais rara dentre as variedades de jabuticaba. Ilson mostra a foto da planta no Bosque Bairu, mas diz não ter registro atual dela lá. “Quando dava dezembro, você entrava nas trilhas e sentia o cheiro dessa jabuticaba… Acho que fechou o mato e ela desapareceu.”
Esse interesse pelo cultivo vem desde sua infância, que foi cercada por natureza. Na fazenda de seu avô em Piau, ele aprendeu com seu pai a manejar o plantio. “Eu lembro que meu avô proibia cortar qualquer árvore na fazenda. Essa forma que eu fui criado me fez dar valor para a natureza. Sempre gostei de capinar em terra fresca, então quando eu vim para Juiz de Fora, me deu vontade de mexer com a terra para relembrar os meus tempos. Ai eu falei: eu vou proteger essa área.”
‘É o meu legado’
A paixão por plantas fica nítida ao olhar para o quintal da casa de Ilson. Há diversos canteiros com variadas espécies, algumas também são encontradas no Bosque, como é o caso do bambu selvagem. Essa foi uma lição de perseverança para o morador. Ele conta que lidou com a resistência de um vizinho que queria cortar a planta. Assim, esperou 12 anos para a muda crescer e se tornar parte da área de preservação permanente para depois cuidar dela e replantar também na sua casa.
“O Bosque Bairu representa tudo para mim, representa uma obra que eu comecei, de forma voluntária, e vou deixar para as novas gerações. Pelo menos, fiz uma boa atitude na vida. É o meu legado”, comenta Ilson.
Antes de o Bosque abrigar espécies da flora e fauna da Mata Atlântica, Ilson conta que todo ano a área pegava fogo e é possível ver as marcas disso na raiz de algumas árvores. Agora, a visita dos pássaros mostra que valeu a pena investir todo o esforço no local. Em 94 anos de vida, ele se emociona ao lembrar dos 40 anos que passou se dedicando ao reflorestamento do Bosque. “Em 1997, fui convidado a plantar uma peroba-rosa no Parque Halfeld, por causa desse meu trabalho. Fiquei muito feliz de saber que ajudei a plantar uma espécie que irá substituir outra”, conta ele fazendo referência a outro exemplar da espécie na cidade, situado na esquina entre as ruas Santo Antônio e São Sebastião.
Falta de manutenção do bosque preocupa moradores
Depois de alguns anos, Ilson explica que começou a ficar mais difícil cuidar sozinho da área, então pediu à prefeitura, que é a responsável pelo bosque, para que fosse construída uma casa. Assim foi feito. Um funcionário da Empav morou por um período na residência e ficou responsável por fazer a manutenção da área, que, segundo Ilson, é mínima, já que a floresta mesmo se regenera: apenas as trilhas precisam ser limpas a cada três meses e algumas plantas aparadas. Nos últimos anos, a manutenção estava sob responsabilidade de um grupo de escoteiros que utilizava o local para atividades de educação ambiental e acampamento.
Há alguns meses, os escoteiros romperam o contrato e a área ficou abandonada, de acordo com relatos de Ilson e demais moradores do Bairro. As trilhas foram cobertas pelo mato e por árvores que caíram com as chuvas. Aém disso, móveis e outros lixos foram descartados de forma irregular no local. A placa de identificação também está deteriorada. A casa, antigamente utilizada pela Empav, está sem uso e sem manutenção.
Conforme noticiado pelo jornal no final de setembro, cerca de 20 moradores do Bairro se reuniram no Dia da Árvore (21) em frente à área de preservação permanente para pensar possibilidades para a conservação da área e cobrar ações do Poder Público.
Ao ser questionada pela Tribuna, a PJF disse que esteve no Bosque Bairu na quarta-feira (6) e realizou a limpeza. Porém, os moradores disseram que a manutenção aconteceu apenas em volta da casa e na entrada no Bosque, as áreas de trilha ainda continuam inacessíveis. A respeito deste questionamento, a Prefeitura ainda não retornou.
Confira a nota da PJF na íntegra:
A Prefeitura de Juiz de Fora informa que esta área estava sob responsabilidade de uma instituição de escoteiros e que recentemente foi devolvida à Prefeitura. Como o espaço estava cedido para uso, o local é cercado e trancado, com chaves que ainda estão sob responsabilidade deste particular. O pedido de limpeza e manutenção do terreno já foi encaminhado para a secretaria responsável, que segue em diálogo com o antigo usuário da área para que ela seja utilizada como um bem comum aos moradores. Essa área já está programada para ser incluída no Plano de Manejo de Áreas Verdes. Após o plano, serão feitas pesquisas para definir o uso, se será uma área para uso comunitário, para pesquisa, conservação, entre outras opções.