Professor da UFJF leva aquicultura sustentável como aliada no debate climático à COP
Segundo o pesquisador, a produção de peixe tem impacto no clima 10 vezes menor em comparação com a carne de boi, usando área 100 vezes menor

Juiz de Fora estará presente na Cop 30 de diversas maneiras. Na semana passada, a Tribuna noticiou a exibição do documentário “Ecos de 92, do Rio à Belém”, das juiz-foranas Renata Amorim e Valéria Costemalle, que relembra as origens do protagonismo brasileiro na pauta ambiental ao revisitar a Rio 92 – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Além delas, o pesquisador Nathan Barros, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), também está entre os nomes que participarão das discussões cruciais sobre o futuro do planeta. Diante de um cenário global de crescentes preocupações com as mudanças climáticas e a segurança alimentar, o docente se prepara para apresentar pesquisas que mostram a aquicultura como uma solução para produzir mais alimentos com menor impacto climático.

Convidado por três instituições distintas – Empresa Brasileira de Pesquisa (Embrapa), Ministério da Pesca e Agricultura e Associação de Criadores de Peixes do estado de Rondônia (Acripar) – além de ser autor de um capítulo sobre emissões de metano para a FAO (braço da ONU para alimentação), Nathan projeta a COP como um “divisor de águas” para decisões robustas e mudanças de paradigmas, apesar das negociações complexas e um cenário de retrocessos ambientais vivido nos últimos meses no país.
O pesquisador pretende mostrar a importância estratégica da aquicultura sustentável como uma solução climática para a produção de alimentos, com impactos significativamente menores em área e emissões comparada à pecuária bovina, enfatizando a necessidade de uma mudança cultural para sua maior adesão no Brasil. De acordo com o especialista, a produção de proteína animal por meio da aquicultura tem um impacto no clima 10 vezes menor em comparação com a carne de boi, usando uma área 100 vezes menor.
Para Nathan, sua participação também ressalta o papel da universidade pública na divulgação científica e é um meio de fazer contatos para atrair investimentos. Além disso, ele diz que essa é uma grande oportunidade para a cidade se posicionar na pauta ambiental. “Juiz de Fora precisa ser protagonista regional. Já é protagonista em várias outras áreas, como saúde e educação, e tem tudo para ser também nas questões ambientais.” A Tribuna entrevistou o cientista sobre a COP 30, suas expectativas e os desafios.
Confira a conversa na íntegra abaixo
Tribuna: Como surgiu o convite para a COP 30? E quais pesquisas serão apresentadas, considerando que você está indo por várias instituições?
Nathan: Tive um primeiro contato através da Embrapa, que me convidou para participar na Agrizone, uma parte da COP que está acontecendo lá em Brasília. Esse convite inicial veio pelos nossos trabalhos publicados e projetos relacionados à produção de alimento com menor impacto no clima, com baixas emissões, principalmente na aquicultura. Depois, recebi um convite para compor a delegação do Ministério da Pesca e Agricultura na COP, com várias agendas entre 17 e 20 de novembro, abordando temas como produção de alimentos com menor emissão e a capacidade da aquicultura de sequestrar carbono. Por fim, a Acripar nos convidou para apresentar resultados de um projeto em Rondônia, sobre a sustentabilidade da produção de alimentos e aquicultura na Amazônia, em parceria com a Universidade Cornell, nos Estados Unidos. Além disso, sou autor de um capítulo sobre emissões de metano no mundo para a FAO, que será lançado e apresentado lá.
Tribuna: Quais são os resultados que serão apresentados?
Nathan: Nossos dados corroboram e apresentam evidências reais para algo que já vinha sendo discutido: a aquicultura é uma solução para produzir mais proteína, mais alimento, com menor impacto climático. Para se ter uma ideia, para produzir a mesma quantidade de alimento através da aquicultura, você precisa de uma área 100 vezes menor do que para produzir, por exemplo, a carne de boi, e o impacto no clima é 10 vezes menor. Não estamos propondo uma transição total, mas estamos mostrando que existem outras alternativas e podemos avançar para algo com menor impacto no clima, consorciando com outras atividades. Temos soluções para produzir mais alimento com menor impacto climático.
Tribuna: Por que você acredita que é tão difícil implementar mudanças desse tipo, mesmo tendo dados que mostram ser iniciativas mais vantajosas?
Nathan: O brasileiro já tem um consumo de carne de porco, boi e frango praticamente estabilizado. Gostamos enquanto nação e precisamos de proteína animal. Mas existe uma fronteira que temos tudo para ultrapassar, que é a aquicultura. Comemos muito pouco peixe ainda, mas isso tem mudado, e há uma oportunidade enorme para esse setor crescer. A dificuldade é cultural. Nossa cultura precisa ser mudada para que tenhamos mais abertura a comer outras fontes de proteína, como peixes e outros organismos aquáticos. É bom mencionar que a aquicultura vai além do alimento, com usos na indústria farmacêutica (microalgas) e agropecuária com a fertilização (macroalgas).
Tribuna: E o que você espera da sua participação na COP? Você está levando o nome da instituição, a importância das pesquisas públicas, o incentivo nessa área…
Nathan: Há duas coisas fundamentais. Primeiro, a divulgação dos nossos trabalhos, artigos e resultados, e também o networking pessoal que consigo criar. Já tenho entradas confirmadas em pavilhões de pessoas muito influentes, tomadores de decisão. Esse networking é importante. O segundo é a divulgação da universidade em si. Carregar a universidade comigo é uma oportunidade de colocá-la nesses centros de discussões, para futuros projetos e, principalmente, levar a marca da universidade, que vai muito além do que fazemos aqui, para atração de novos investimentos.
Tribuna: Em relação a COP em si, qual a importância de o Brasil sediar um evento desse porte depois de quase três décadas da Eco 92?
Nathan: Isso é fundamental de diversas maneiras. Primeiro, porque o discurso ambiental é cada vez mais necessário. Não podemos mais interagir com o planeta da forma que temos feito; estamos falhando em diversas metas e objetivos para ter um planeta habitável no futuro. Trazer essa discussão para o Brasil é ainda mais importante, pouco mais de 30 anos depois da Rio 92. Este é o momento de entender que discussões ambientais não são contra pautas do setor produtivo. O que temos que entender é que a forma como produzimos já não é mais suficiente. Essa discussão deve vir no sentido de que existem opções mais sustentáveis, e as pessoas precisam discutir isso. A COP é um fórum espetacular por reunir tomadores de decisão, representantes de governos, ciência e sociedade civil para discutir o futuro, a sustentabilidade e as metas. Fico muito feliz que seja no Brasil, para sermos protagonistas dessas decisões.
Tribuna: O que você espera como resultado do evento?
Nathan: A decisão de ser em Belém foi acertada. Apesar dos percalços, ter a discussão lá é importante para mostrar a realidade da Amazônia, das pessoas que vivem lá, do desmatamento, da forçante ambiental e da nossa tentativa de mudar as coisas. Pela minha experiência em painéis da ONU, a reunião poderia ser em qualquer lugar e não existe mudança de foco. Eu espero que saia desse evento com decisões robustas e mudanças de paradigmas. Não dá mais para vivermos como vivemos. Acredito que este evento pode ser, como a Rio 92, um divisor de águas. A partir de Belém, as coisas vão mudar de fato, ou estaremos numa encruzilhada muito difícil. Espero acordos e metas ambiciosas para a mudança no clima.
Tribuna: Quais temas são mais urgentes e deveriam ser priorizados? E quais serão os principais desafios?
Nathan: O que tem que sair dessa reunião são as metas de redução dos países e que eles, de fato, tentem alcançar ou tenham caminhos para essas reduções. Que essas reduções sejam socialmente justas, porque os países mais pobres tendem a sofrer mais com as mudanças climáticas. Precisamos de justiça nessa mudança climática. O grande desafio são as negociações. Não falo de questões logísticas, que serão superadas. O foco tem que ser a questão climática. O maior desafio são as negociações, pois as decisões dos países são influenciadas por várias coisas, e alguns não abrem mão de um corte real de emissão por questões econômicas. Aí está a grande barreira.
Tribuna: O que esperar depois da COP?
Nathan: Por mais que eu acredite que um fórum como a COP pode ser um ponto de virada para o clima e para a forma como os países funcionarão nos próximos anos, não acho que só isso basta. Precisa haver mudança nas pessoas, na forma como se interage nas empresas, como elas produzem e, principalmente, no campo da política, precisamos repensar muito nossos governantes e a forma como selecionamos nossos representantes. Porque a verdadeira mudança passará por aí, não só por uma decisão da COP ou da ONU. Precisa passar por mudança individual, de sociedade e de país.









