Bia, boxe e o busão
Costumo dizer que atletas não são super-heróis. Claro que ficar diante de alguma figura famosa, de renome, é algo que gera certa tietagem. Mas todos, exceto pelos resultados, são de carne e osso, gente como a gente. Se sou meio fria – digamos assim – neste aspecto, confesso que meu respeito e minha admiração são bem mais extravagantes. Afinal, ser atleta em um país onde o apoio geralmente é mínimo, é, aí sim, um ato de heroísmo.
E refleti sobre isso depois que, na última segunda-feira, dividi um ônibus, entre o Manoel Honório e o Centro, com Beatriz Ferreira, boxeadora baiana, que mora em Juiz de Fora há mais de uma década, tal como eu.Vê-la, dias depois de ela conquistar o título do Campeonato Mundial de Boxe, na Rússia, em pé, em um ônibus urbano lotado, naquele calor de 14h, me fez ficar ali, de longe, admirando-a.
Pelos números de passageiros no coletivo, não consegui falar com a atleta, que, em agosto, tornou-se também a primeira boxeadora brasileira medalhista de ouro na história dos Jogos Pan-Americanos. Tenho dúvidas se, além de mim, aquela moça de cabelos presos, de uniforme esverdeado, com uma mochila nas costas, foi reconhecida por mais alguém. Diante de nós, estava Beatriz Ferreira, aquela que concorre ao Prêmio Brasil Olímpico – com Ana Marcela Cunha, da maratona aquática, e com a esgrimista Nathalie Moellhause – na maior premiação do esporte brasileiro, promovida pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Não a tietei, mas fiquei ali observando-a e pensando no quanto a vida de um atleta é conflitante, principalmente quando falamos em atleta olímpico, de uma modalidade menos popular. Entre a gente, Bia era somente mais uma passageira. A um ano para os Jogos de Tóquio, evento que ela deve estar presente, ainda circula tranquilamente entre anônimos.
Ano que vem, caso o resultado seja relevante, pode estar com os holofotes voltados para si. Muitos dos que estavam ali naquele ônibus deverão celebrar sua medalha, se vir – e tomara que venha – ou até mesmo criticá-la, em caso de algum resultado “ruim”, como o bronze, pouco comemorado na nossa cultura que cultua apenas o ouro. Passado os Jogos e recomeçado o ciclo, tende a cair no esquecimento novamente. Não diferente da maioria dos olímpicos. Não diferente ao que às vezes vemos com Viviany Anderson, Márcia Fu, Ronaldo da Costa, atletas que já defenderam nossa região em competições importantíssimas, mas bem pouco lembrados e valorizados por aqui.
Dividir o coletivo com Bia foi um prazer. Vê-la conquistar tantas premiações do mais alto gabarito do esporte mundial idem. Que chegue o dia em que todos a reconheçam.