Quando tinha 17 anos, Guilherme Oliveira começou a enfrentar crises de pânico, um quadro de depressão e problemas de estômago. Em 2018, a sua vida era bastante diferente daquela que tem agora: “Quando eu pisava fora de casa, passava mal. Eu me tranquei e a única coisa que eu tinha era a música. Eu não tinha mais amigos e não estudava mais”, diz. O único momento em que saía era para ir à praça de seu bairro, o Santo Antônio, escrever versos de rap que, mais tarde, musicava, e também para acompanhar outros artistas que começou a admirar. Até que, em 2019, comprou um violão simples de nylon para que começasse a aprender, e então se apaixonou pelo instrumento, ainda sem pensar que isso poderia ser algo que transformaria sua vida e que o colocaria no mercado de trabalho. O envolvimento com a música, no entanto, foi se tornando tão grande que, em 2021, ele já estava se apresentando em shows, trabalhando com musicoterapia e construindo sua arte de forma cada vez mais intensa. “Encontrei um propósito”, ele conta.
Essa evolução, como explica, foi acontecendo aos poucos, mas esteve sempre muito relacionada com a vontade de mergulhar nesse universo da música e da poesia, e isso fez com que ele conseguisse dar passos cada vez maiores – e que voltasse para casa com vontade de criar. “Aos poucos, fui cada vez mais longe, pra outros bairros, e vi que estava começando a mudar. Além da terapia e de remédios acompanhados, a música estava me ajudando a sair daquilo”, conta. Naquele momento, suas músicas eram formas de desabafar sobre o que acontecia em momentos depressivos, como lidava com a ansiedade e com os remédios que tinha que tomar. “Desde esse contato com a cena do rap e com a escrita, entendi que podia usar o palco e o microfone pra falar sobre a minha realidade, que pode ser a realidade de muitas pessoas”.
A partir da experiência pessoal, Guilherme passou a pensar que poderia ser algo que desse um novo rumo à sua vida, e que pudesse fazer com que essa mensagem chegasse a mais pessoas. “Eu sempre me perguntava qual era a minha vocação. Um primo meu gostava de carro, então fez engenharia mecânica; outro gostava de desenhar, e aí fez arquitetura; outro amava jogar futebol e tinha talento pra isso. Eu nunca enxerguei qual era o meu talento, até que percebi que meu diferencial era estar sempre de fone de ouvido, em todo lugar em que ia. Eu era a pessoa que colocava as playlists em churrasco. Então a música era algo que estava comigo o tempo inteiro”, conta Algo que transformou ainda mais sua visão foi a descoberta do country que, apesar da popularidade nos Estados Unidos, não é tão conhecido no Brasil. E conta como foi seu contato com esse universo, para explicar o que o fascinou tanto: “Isso é esquisito. Eu sempre gostei muito de música eletrônica e rock, e tinha umas bandas que soavam country. Eu gostava daquela sonoridade mas não sabia o que era. Achava que eles pegavam elementos de ‘coisa de cowboy’ e colocavam na música. Até que eu me deparei com Johny Cast e pirei. Como alguém podia soar tão melancólico?”
Para mudar a situação em que estava, ele revela ter contado com o apoio de sua mãe e de seu padrasto, que o ajudaram a enfrentar esse momento e confiaram em seu potencial. Foi também junto deles que deu os primeiros passos em direção ao que faz hoje: “Tinha churrasco lá em casa e eu sempre puxava o violão. Mas até então, era eu, minha mãe e meu padrasto. Até que um dia toquei e cantei quando estavam outras pessoas também, em uma granja. Não tive tanta vergonha quanto achei que teria. Na verdade, nunca tive medo quando o assunto era música.”, conta. Desde então, as apresentações foram cada vez mais frequentes, até que conseguiu a primeira oportunidade de tocar em um um aniversário. Hoje, tendo conseguido concluir o Ensino Médio e começado a Faculdade de Música, ele entende que o tema da saúde mental também é algo que pode ser falado nas músicas que faz. “O mundo hoje é fabricado pra tudo ser muito feliz. Então, quando você tem uma depressão, você sente que é um erro. Por que eu estou triste? Mas se tem um artista que você admira, e que passou por isso, você revê esse conceito e vai entendendo que a tristeza também faz parte da vida”.
Musicoterapia e shows
Além do seu trabalho em shows, em que tem um repertório diverso e nos quais se preocupa em dialogar bastante com o público, Guilherme também começou a trabalhar como musicoterapeuta. Essas são sessões de música para ajudar pacientes em uma reabilitação física, mental e social. “Quando a Letícia, dona da empresa Nice Cuidadores, disse que prestava cuidados para pessoas idosas e que queria ver se era possível fazer testes com alguns pacientes, vi que era uma oportunidade boa de fazer com que meu trabalho fosse algo maior. Fui com o coração aberto e querendo fazer aquilo”, conta. Desde então, foi se aperfeiçoando em “montar estratégias durante as sessões para chegar mais perto dos pacientes e lidar com a recepção que a pessoa tem e que nem sempre é boa, por conta por exemplo de Alzheimer e depressão”.
Para ele, existe uma facilidade de se conectar com os pacientes por conta dos problemas de saúde mental que enfrentou: “Eu já me senti impossibilitado de sair de casa, sei o quanto isso é frustrante. Então converso sobre a minha história também, falo sobre o quanto a música me ajudou”, conta. Muitas vezes, como percebe, esse poder que a música tem é muito transformador para os pacientes, e representa mesmo um impulso importante para o paciente em um quadro de depressão, por exemplo, conseguir reverter seus quadros de saúde, fazer fisioterapia, melhorar até a autoestima e a própria confiança: “Às vezes, o paciente tem um Alzheimer que faz com que não se lembre nem do nome dos filhos ou dos acontecimentos mais importantes da própria vida. Mas se resgato uma música do seu repertório, consigo às vezes trazer uma lembrança da vida dele”, conta. Ele destaca, no entanto, que isso demanda um trabalho conjunto com a família, a equipe de saúde e com o paciente é preciso haver uma receptividade, da mesma forma que em uma terapia. Além disso, ele também passou a produzir músicas autorais e a divulgar seu trabalho em redes sociais.
Do trap ao country
Conhecido também como ‘Witche’ ou ‘Mago’, Guilherme descobriu o Caibalion em suas pesquisas sobre ocultismo. “Eu comecei a entrar no ocultismo, que são filosofias de vida que não estão no mainstream, mas não têm nada de maligno ou de coisas ruins”, conta. Para ele, que antes era católico, esse foi um processo de descobrir mais e de ter respostas para muitas de suas questões a partir das filosofias de vida que essa religião traz e que influenciam sua letra. “Meu nome artístico é Witch porque eu queria homenagear as mulheres que sofreram na inquisição e mantiveram a cultura pagã viva. As pessoas inclusive me chamam de Mago, acho que criei essa persona também, uso sempre nas rimas”, conta. Como ele mesmo define, gosta de ser um músico ‘meio maluco’, isto é, que mistura diferentes elementos para criar: “Eu trago na mesma música ocultismo, saúde mental, relacionamentos e essa desconexão”.
Seus planos para o futuro, agora, são muitos. “Tenho vontade de tocar com mais artistas, criar músicas para séries e mesclar gêneros. Ano que vem, quero montar uma seleção de músicas country para vender para bares aqui de JF. “Quero trazer um repertório com músicas que sejam mais acessíveis, e que possam colaborar para gerar essa conexão com o country”, diz. Essa quantidade de planos, para ele, não significa que não possa mudar. “Eu estou em desenvolvimento. Jamais vou me sentir em zona de conforto, porque estou sempre buscando coisas novas. Comecei no rap e hoje estou no country. Não tenho apego a estilos musicais, o que eu gosto e o que eu quero é estar sempre fazendo”, diz. Apesar de reconhecer seus passos e querer continuar mudando, também vê os méritos que tem e o que mais o fascina. “Tem artistas que falam uma palavra simples, tipo ‘amor’. Mas ao interpretar essas palavras, pela forma que pronunciam a palavra e carregam a melodia, eles dão a tonalidade do que o amor é. Eu não sou o melhor musicista ou o violonista, e cantor. Mas levo a verdade na música, vou cantar do mesmo jeito na casa de uma pessoa, em uma sessão, ou em um show para 100 pessoas”, afirma.
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