Conheça André Medeiros: buscando o inexprimível através da música e do cinema

Com André Medeiros Lanches, Top Surprise ou Hermitage, no trabalho na música ou no cinema, a criação de um mundo compartilhado é sua maior vontade

Por Elisabetta Mazocoli

André Medeiros
“Me inspira dizer o indizível. Talvez por isso as minhas palavras não sejam tão diretas“, afirma André Medeiros (Foto: Caio Deziderio/ Divulgação)

Logo que André Medeiros começou a aprender a tocar, resolveu também compor. Para ele, fazia pouco sentido aquela ideia de colocar tanta energia em entender como a música dos outros era feita e não tentar criar a dele. E tinha muita coisa a dizer. Desde que começou, por volta dos 13 anos e inspirado pelo rock, ele conta que compõe todos os dias. Todos. Ainda na adolescência, formou a banda Hermitage e depois a Top Surprise, ambas se apresentando na língua inglesa, e que tiveram seus encerramentos por volta de finais de ciclo, quando ele acabou o ensino médio e até pouco depois da faculdade. Mas nos últimos anos, o projeto André Medeiros Lanches, bem diferente desses anteriores, foi o que tomou sua vida. Formado em Artes, o seu caminho foi muito impactado pelo cinema, mais precisamente pelo som do cinema, que também é hoje seu ganha pão. Nas duas paixões, o que busca é um pouco difícil: conseguir atingir o inexprimível, aquilo de mais íntimo das pessoas, fazendo com que se sintam também próximas dele. Criar, como no começo também foi, é para ele capaz de transformar muita coisa.

A ideia de ser artista sempre permeou a cabeça de André, ainda que ele não entendesse, quando criança, a diferença dessa profissão para as outras. Filho de uma ilustradora e de um cinegrafista, ele cresceu cercado de livros, de cinema e de música. “Eu acho que custou para eu entender a diferença entre atividades artísticas e atividades não artísticas. Cresci imerso no mundo do cinema, dos livros e dos quadrinhos. Tudo era muito misturado para mim”, explica. Talvez por essa integração entre as artes que ele experimentou desde cedo, para ele as coisas também continuam interligadas de alguma maneira, tantos anos depois. Apesar de exigirem habilidades diferentes, a música e o cinema, em sua vida, também vão puxando uma a outra para tomarem forma. “A sensação que tenho na palavra é bem parecida com a que tenho com os sons. É um turbilhão para mim. Eu tenho muita fé no poder da arte e das palavras. Não acho que é brincadeira, é coisa muito séria. É responsabilidade. Estamos inventando o nosso mundo compartilhado.”

Na mesma época em que estava na Top Surprise, uma banda que tinha um som próximo das bandas de garagem inglesas, foi responsável por começar, junto com os amigos Eduardo Bento e Amanda Reis, o selo Pug Records. Eles produziam fitas-cassete e mp3 gratuitos e foram responsáveis por gravar as músicas de artistas como Baapz e Felipe Alvim. O projeto teve repercussão nacional e foi chegando a muita gente. Foi através desse projeto que a banda também gravou seu EP. Mas, com o tempo, André começou a se questionar se fazia sentido continuar compondo em inglês e conseguindo atingir gente de longe – mas muitas vezes sem se aproximar de quem estava perto, na cidade, no bairro. 

Ainda que escrevesse assim pela forte influência que as bandas de rock tiveram na sua vida, foi entendendo que repensar isso também mudaria a sua identidade como artista. “Compondo em inglês, a gente assume uma postura que não é nossa, faz um certo personagem. Mas compor na minha língua me fez ter que pensar com mais profundidade em quem eu sou. Ao mesmo tempo, é uma oportunidade de me inventar. Não uso mais nenhuma máscara, mas posso recriar quem eu sou a partir do que eu estou vivendo.” Em 2022, o André Medeiros Lanches, com suas músicas, apareceu. Antes, ele já se apresentava solo, apenas como André Medeiros, mas pela influência de Stephanie Fernandes, da produtora Gira, entendeu que fazer algo em grupo podia ser um caminho. Ele, ela, Amélia e Daniel tocaram o projeto.

Sem assepsia

Mas ainda que a música tenha sido de onde veio essa vontade de ser artista, foi o envolvimento com o cinema que o ensinou a ser um profissional da arte. “Minha experiência com música antes de trabalhar com cinema era bastante idealizada. Quando comecei a trabalhar nessa área entendi que arte também é mercado”, conta. Assim como na outra forma de arte, no entanto, o cinema ainda é uma paixão. Quando começou a trabalhar com som, há cerca de dez anos, esse cenário de cinema frutífero na cidade estava se desenvolvendo, e ele percebeu que era uma área que poderia contribuir. “Acho que um dos motivos que fez eu me interessar em fazer som para filme é que era uma coisa que também parecia meio fora do alcance das pessoas que faziam cinema em Juiz de Fora. Era um problema recorrente nos filmes: o som não ser muito bem feito, e tentei me colocar como facilitador, unir o útil e o agradável.” Para ele, essa cena do cinema atual é uma das mais interessantes do Brasil. “Tenho orgulho de fazer parte disso, de contribuir de alguma maneira para as pessoas enxergarem um som bem feito como algo mais possível.” Entre as produções que participou, estão “Pra tirar você da chuva”, de Mayara Helena Alvim, “Ernesto”, de Fernanda Roque, e “Cyclone”, de Pri Helena.

A partir do cinema, ele foi também se reaproximando da música por outro ângulo, porque o trabalho com o áudio abriu portas para que produzisse outras bandas. E tivesse ideias mais ousadas. “Já gravei discos em casas, em garagens, em depósitos e estúdio de ensaio. O conhecimento do som direto me preparou  para gravar em locais menos adequados. Chamo de gravar em locação. Assim como o cinema antigamente era sempre em estúdio e se modernizou e saiu do estúdio, usando mais locações e lugares reais, gosto de pensar a produção assim também. A produção para ser bacana e ter identidade não necessariamente precisa ser feita em estúdio. Não precisa ser tão asséptico.” 

André Medeiros: “Não quero fazer arte só para mim”

Com a decisão de compor em português, foi escrevendo as letras das quais mais se orgulharia – e que tinham algo mais próximo desse “mundo interno das emoções que todo mundo tem” que é tão importante para ele. Um exemplo disso é “Samba sem nome”, faixa ainda não lançada. “Fiz um samba corcunda/ Que não cabe num disco/ Para caber num abismo/ Que nos conta  quem somos/ Não sabemos se cabemos”, traz a letra. Nessas palavras, ele já está resumindo algo que é muito importante para ele. “Me inspira dizer o indizível. Talvez por isso as minhas palavras não sejam tão diretas. É como tentar destrancar algo que está na gaveta. É preciso ultrapassar as leis da física para conseguir dizer algo verdadeiro.”

Quando as pessoas escutam suas músicas, ele gosta que falem com ele com o que se identificaram ou, ainda que não tenham entendido exatamente do que ele fala, que as tocou. “Eu me esforço muito psra que não seja uma coisa que só faz sentido para mim. Gosto de saber que as coisas que escrevo podem ser lidas de formas diferentes, mas é importante que faça sentido para cada pessoa. Não quero fazer arte só para mim.” Essa vontade vem da emoção que ele mesmo sente através da arte. “Acho que a noção de história fica meio diluída quando estou escutando um álbum, lendo um livro ou olhando para uma pintura. Quando foi feito é o fator que menos importa para mim, se foi semana passada ou há 100 anos. Eu me sinto próximo. Essa noção de tempo e espaço parece que se dilui. E eu quero que as pessoas se sintam próximas de mim.”

Procurando uma definição

Tímido, André Medeiros sempre quis estar em bandas – e até em carreira solo busca sempre colaborações. “Eu não consigo entender quem odeia banda. Para mim, é uma das coisas mais bonitas que você pode fazer na sua vida para compartilhar um sonho”, afirma. Mas também gosta dessa possibilidade para ter a colaboração de cada pessoa e não ficar nos holofotes sozinho. “Não é confortável para mim estar nos holofotes, mas também não é confortável para mim não estar fazendo arte. Então preciso aceitar essa contradição (…) Mas eu sou mais o cara que fica trancado de madrugada tentando fazer enigmas.”

Essa busca por dizer o indizível, no entanto, é contínua. E também ir entendendo quem ele é, enquanto artista, é um desafio. Em meio a tantos compromissos conciliando essas duas paixões, não sabe o destino de André Medeiros Lanches, banda que é uma família sua, mas sabe que pretende continuar sempre na música e colaborando com outros músicos. O que o define como artista, afinal, não é resposta fácil: “Não sei. Mas o que me move é não saber. Se eu soubesse perfeitamente quem eu sou, o que me define, a missão estaria cumprida. Então estou valorizando esse percurso.”

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli é uma repórter formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pós-graduanda em Escrita e Criação pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Escreve a coluna "Sem lenço, sem documento", que conta a história de artistas, artesãos e pessoas que trabalham com cultura em Juiz de Fora, mas que nem sempre são conhecidos pelo grande público. Também escreve matérias de cidade, educação, saúde, cultura e diversos outros temas. É autora do livro-reportagem "Do lado de fora: dez perfis de mulheres anônimas", escrito como Trabalho de Conclusão de Curso, e se interessa por jornalismo literário. No tempo livre, escreve e lê literatura, se interessa por produções audiovisuais, viaja, cuida de gatos e aprende línguas. [email protected] LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/elisabetta-mazocoli/

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