“Quem fala de noiz é noiz”

Sala de Leitura Entrevista: Laura Conceição, poeta

Por Marisa Loures

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Nome expoente do slam, Laura Conceição estreia no mercado editorial com “Eu grito pra fazer voar os versos”, livro lançado na programação da Flip e da Flipei (Foto: Natalia Elmor)

Laura Conceição grita. Por todo lado. Brada por existência. Não é de hoje que sua voz ecoa para muito além das fronteiras de Juiz de Fora. Ela chega às rodas de poesia falada, realizadas aqui e acolá. Chega aos ouvidos das crianças. Chega à Academia. Laura defendeu, recentemente, dissertação de mestrado em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E também, agora, chega ao público da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty — e da Flipei — Festa Literária Pirata das Editoras Independentes —, eventos pelos quais a poeta passou para, mais uma vez, mostrar a potência de sua arte. Lá, lançou o primeiro livro solo, “Eu grito pra fazer voar os versos” (Editora Fala), obra que integra a coleção “#PoesiaViva, voltada para a publicação de poetas do slam.
“Grito por nossa existência, nossa resistência. Que a gente, enquanto pessoas que sofremos algum tipo de opressão da sociedade, consiga ser escutada. Que a gente tenha oportunidade de contar nossa história e de falar da nossa arte”, dispara ela, celebrando os vários projetos que vêm por aí. Ela já programa lançamento de “eu grito pra fazer voar os versos” em Juiz de Fora; prepara show, ao lado da DJ Amanda Fie, para ser apresentado no Campeonato Brasileiro de Poesia Falada, em Itabira; e planeja novo livro e novo disco para o ano que vem.

Dividida em três partes — “Grito porque existo”, “Grito porque resisto” e “Grito porque amo” — a publicação é composta por poemas que a poeta já declamou ao longo de sua trajetória. Não tem o formato de um livro convencional. Suas páginas são lâminas que se destacam, e a ideia é que os versos ecoem em todo lugar.

Este é o lançamento do primeiro livro. Você está na programação oficial da Flip e da Flipei. Na música, também tem alçado voos bem altos. Então, vou fazer uma pergunta inspirada em uma poesia sua, intitulada “Nada se cria”. O lugar que você já alcançou é onde você queria estar?

Acho que o lugar que eu alcancei hoje está na caminhada, na estrada que eu quero trilhar até os meus sonhos. Já estou realizando vários sonhos, mas não realizei todos, sabe? É como se fosse uma estrada que nunca tem fim, mas já consegui entender que esse é o meu caminho. Meu objetivo é conseguir transformar através das palavras e viver da minha arte por toda a minha vida. E quando falo viver, estou falando do alimento no prato e também para a alma. Já vivo hoje da minha arte, mas a ideia é que isso possa se perpetuar por toda a vida. Fora isso, tenho outros objetivos. Por exemplo, estar na Flip era um sonho. Lançar meu primeiro livro era outro sonho.

“Eu grito pra fazer voar os versos” é o título do seu livro, mas seus versos já voam. E voam há muito tempo. O que significa o lançamento de um livro?

O lançamento de um livro significa reconhecimento. Da forma como se dá, né? Uma editora de São Paulo, uma galera legal que escolheu a minha arte, escolheu investir na minha arte. A editora olhou para o meu trabalho e falou: “a gente aposta no seu trabalho. Vamos fazer um livro.”

O estar publicado traz um capital simbólico…

Isso é muito simbólico porque é a gente atingindo e alçando novos espaços, né? É no sentido de que, muitas vezes, a minha poesia não era vista como poesia por ser vista como marginalizada. E, hoje, estar publicando um livro faz uma ponte entre a biblioteca, a leitura, e a palavra oral. Agora, o que eu acho de mais interessante nesse livro é que ele se solta todo, que é justamente essa ideia de fazer voar os versos. Então, cada lâmina do livro, você consegue levar para um sarau, consegue fazer um varal. Com isso, você consegue alimentar também a oralidade. Então, posso destacar uma poesia do livro e ler em algum lugar. As pessoas podem pegar textos que já me ouviram falando e ler eles em outros lugares. A ideia também é brincar pedagogicamente com isso. Fazer o leitor e a leitora descobrirem como o livro se dá. A primeira página dele é um lambe, que se destaca e vira um cartaz. E atrás do lambe é a ficha catalográfica. E aí vem assim: “esse livro não começa aqui. Destaque a folha pra fazer voar os versos.” Você pode ler de trás para frente.

Laura, no poema “Desespero do artista independente”, você aponta vários problemas enfrentados pelo artista. Impera uma instabilidade. Muitos acham que ele não precisa comer e pagar boleto, que ele faz arte apenas por amor a ela. E aí o artista sempre fica dependente, conforme você diz. Quando li seu poema, acabei me lembrando de uma conversa que tivemos há algum tempo. Na época, você me disse que, como artista independente, não se prendia a nenhuma amarra criativa, e isso era o que fazia com que seu trabalho fosse independente meio que por obrigação também. É um trabalho feito para ser livre mesmo. O deixar de ser independente pode tirar de você essa liberdade. Como lidar com esse dilema? Já pensou nisso?

Acredito que tem como fazer isso sem perder a autonomia, sabe? Igual ao caso da Editora Fala. Não precisei mexer em nada, não precisei me moldar. Minha luta, na verdade, é para isso. Conseguir trabalhar em melhores condições sendo eu. Eu podia ter publicado um livro com outra editora há muito tempo, mas eu queria fazer de forma que eu pudesse entrar no mercado editorial sem perder a minha essência, mantendo os meus textos. Você chega a um ponto em que as pessoas querem justamente a sua essência, e aí que entra aquele lugar da caminhada em que estou.

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Capa do livro (Foto: Divulgação)

E o livro é dividido em três partes: “Grito porque existo”, “Grito porque resisto” e “Grito porque amo”. O senso comum pensa muito na resistência e no existir quando o assunto é slam. Não pensa no amor, mas ele também está presente na arte do movimento…

Temáticas, como o amor, estão cada vez mais presentes. É muito cansativo a gente viver de falar das nossas dores, sabe? Isso causa uma exaustão muito forte. Então, a gente está cada vez mais buscando falar de lugares e momentos em que a gente é feliz também. Por exemplo, o amar. A gente resiste e luta, mas a gente não só resiste e luta. A gente ama, fica feliz e comemora conquistas.

“Se eu não puder usar arte no curso/ Pega meu Lattes e joga no lixo, sô”, dispara você em um dos textos. Ter podido falar sobre sua arte é o que te instigou a fazer um mestrado?

O poema nasceu antes. Eu estava em crise com a academia, mas o que me levou mesmo a fazer o mestrado foi porque as pessoas começaram a me ligar muito pesquisando a minha arte, pesquisando o slam, pesquisando a minha poesia, sem ter conexão com o movimento, sabe? Se titulando através da nossa história. Aí eu falei: “cara, se alguém tiver que contar nossa história, que seja a gente.” E aí, isso me fez buscar o mestrado e fazer sobre a gente. É uma perspectiva da gente contar a nossa história também nesse espaço que nos é tão negado, que é tão opressor para corpos como o nosso, para a arte como a nossa.

O tema da sua dissertação é “quem fala de noiz é noiz.” Podemos dizer que você já é doutora em falar da sua arte. O que a academia acrescentou na sua trajetória de poeta e escritora?

Tive um processo muito leve na academia. Encontrei um grupo de pesquisa, que é o Travessia, que me deixou muito livre, me apoiou muito para eu poder fazer minha pesquisa. Acho importante estar lá por causa da questão de representatividade, principalmente, sabe? Porque, por exemplo, a gente vai a uma escola e a gente consegue levar para os estudantes que a universidade é um espaço para elas almejarem estar. Mesmo que eles, talvez, não queiram estar lá, tudo bem. Mas, se eles quiserem estar numa universidade, a universidade é para eles também. E aí você chegar dentro de uma escola com esse corpo, com essa voz, com essa arte, com essa vivência, e falar: “olha, eu também fui para a universidade. Você também pode.” É essa coisa de você ser um caminho para as crianças poderem entender que é possível e para a gente, finalmente, conseguir quebrar essa barreira que existe, porque o meio acadêmico é muito conservador. Acho que esse espaço também é nosso, das nossas histórias, dos nossos saberes. Minha avó é uma mulher que não teve tanto contato com a universidade, ensino médio, sabe? É uma mulher preta, do interior e tal. E eu falo: “Minha avó precisa entender minha dissertação, porque, se minha avó não consegue entender a minha dissertação, a gente está fazendo tudo errado.” A academia serve para quem, então? Então, no início da minha dissertação, eu coloco: “Essa dissertação é feita para a minha avó entender.” É um texto totalmente popular, livre, muito marcado pela oralidade. Tanto que minha dissertação resulta num documentário e num podcast. Você consegue acessar através de outras linguagens, audiovisual e oral.

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Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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