Mônica Giraldo Hortegas: “A grande lição zen é que, o que sustenta a vida, não está no além”

Por Marisa Loures

Monica Hortegas 2
Com lançamento previsto para esta terça-feira (26), “Instruções para o poeta zen”, de Monica Giraldo Hortegas, é um “convite a viver a vida em sua simplicidade” – Foto Divulgação

Monica Giraldo Hortegas abre “Instruções para o poeta zen” (Editora Venas Abiertas, 86 páginas), avisando que “as poesias desse livro são um convite a viver a vida em sua simplicidade”. Em seguida, em quatro pequenos versos, prova o que nos confidenciou. “Para seu primeiro poema/ use uma nuvem,/ mas use-a depressa./ Ela se vai, diáfana.” São escritos curtos, que transmitem leveza, suavidade, calma. Palavras que nos fazem desacelerar. Parar para viver o presente.

“Meu doutorado que finaliza nesta semana trata sobre o Zen Budismo. Muitos dos monges budistas eram também poetas. É uma das formas de retratar a realidade. Poesia Zen é saber captar o instante. Quase um não pensamento, mais como se fosse uma fotografia. São em geral poemas curtos. Também se trabalha com o paradoxo. A tentativa seria o de quebrar com a mente racional. O valor recai na natureza ou em pequenos elementos como uma xícara de chá. Viver a vida em sua simplicidade. Outros temas são recorrentes. Poesia Zen é imperfeição, é acolher o belo e o feio, a dúvida, as dificuldades. A grande lição zen é que, o que sustenta a vida, não está no além. Está aqui mesmo, no aqui e agora”, conta a poetisa carioca, que lança a obra nesta terça-feira (26), às 19h, na Arteria, com declamações poéticas de Ulisses Belleigoli.

Terceiro livro de Monica, que também é autora de “Passeio de barco e“Aldravia: poesia do instante”,“Instruções para o poeta zen” chega para os leitores com selo do Mulherio das Letras, movimento que busca dar visibilidade aos escritos femininos. Na conversa para esta coluna, a escritora traz algumas “dicas” “para orientar um noviço Zen, na arte da escrita poética”, fala-nos sobre seu processo de escrita e responde a uma indagação que ela mesma lançou em um de seus escritos: “Há espaço para poetisas Zen?”.

Marisa Loures – Quem é a Monica Giraldo Hortegas?

Monica Hortegas – Tenho 48 anos. Sou carioca. Filha de mãe colombiana e pai brasileiro. Morei na infância na Colômbia e também nos Estados Unidos, já que meu pai trabalhou na embaixada brasileira de Nova York. Posteriormente, já adulta, morei uma temporada na Inglaterra, Escócia e Irlanda. Posso dizer que sou uma mistura de todas essas experiências. Tenho quatro filhos, dois homens e duas mulheres com idades entre os 16 e os 27 anos. Fiz a graduação em psicologia na UERJ e posteriormente mestrado e doutorado em Ciência da Religião na UFJF. Acho que o que sempre me conduziu na vida foi uma busca pela compreensão do ser. Quem somos nós, o que estamos fazendo por aqui?

– Quando você se descobriu poeta?

Meu primeiro poema foi bem pequena. Com uns 7 anos, no colégio. Era um trabalho para os dias das mães e eu o redigi em forma de poesia. Acho que é a busca da síntese, da simplificação da compreensão sobre a vida. Sempre escrevi poesia. Eram todas guardadas na gaveta, como vemos muitos exemplos por aí. “Escrevo, mas não publico”. Foi apenas com 40 anos que publiquei meu primeiro livro. Em Juiz de Fora, há um grande incentivo às artes através da Lei Murilo Mendes. Foi assim que encaminhei poemas de uma vida inteira e viraram meu primeiro livro, “Passeio de barco”. Posteriormente publiquei outro, também pela Lei, chamado “Aldravia: poesia do instante”.

“Para escrever poesia Zen a gente só precisa respirar. Se ater ao presente. Saber olhar. Saber parar. Depois é pegar no lápis e retratar este instante.”

– Você diz que o livro foi escrito como uma brincadeira “para orientar um noviço Zen, na arte da escrita poética.” Quais instruções básicas você daria para um iniciante na poesia Zen?

Há um livro importante no Zen Budismo, escrito pelo monge Dogen no século XIII, chamado “Instruções para o cozinheiro Zen”. Dogen seguia a tradição com a meditação e a leitura dos textos sagrados, mas, no encontro com um cozinheiro, aprendeu que tudo era sagrado, como lavar as verduras que irão para a mesa. O título do livro brinca com o livro de Dogen, e pretende ser leve, como uma brincadeira. Para escrever poesia Zen a gente só precisa respirar. Se ater ao presente. Saber olhar. Saber parar. Depois é pegar no lápis e retratar este instante.

– “As palavras chegam sem ser convidadas’, dispara você em um dos poemas. Em outro, diz que “O poema já nasce pronto/ como quando se atira uma flecha/ e já se sabe que ela acertará o/ centro do alvo/ desde antes de sua partida.” Suas palavras nos fazem acreditar que escrever um poesia é tão simples e fácil, sendo que, para mim, a produção de um texto só se faz por meio de um processo tão dolorido. Como é o seu processo de escrita?

Todos podem escrever poesia. Todos e tudo. Inclusive as montanhas, as nuvens, as flores. Basta só saber escutar. Poesia é escutar os passarinhos sobrevoando a janela de sua casa. Poesia é quando abraçamos alguém querido. Poesia é também a dor, uma lágrima derramada, a morte de alguém. Em poucas palavras, todos podem descrever esses acontecimentos. Não negá-los. Não negar a dor também. Tudo faz parte. É uma aceitação da vida como ela é.

– Seu livro está sendo lançado como um título da coleção do grupo Mulherio das Letras. Apresente o movimento para os leitores desta coluna.

Sim. O grupo Mulherio das Letras é um coletivo literário só de mulheres de todo o Brasil, que nasceu em 2017 e, inclusive, tem reverberado em outros países com escritoras brasileiras. Tentamos colocar nossa voz e publicar nossos livros de maneira independente, já que muitas vezes é difícil fazer isso com as grandes editoras. Nosso grupo tem muitas cores, muitas vozes, muitas formas. Este livro ganha o selo do Mulherio e faz parte de uma coleção de 20 lindas mulheres.

“Acho que minha literatura é mais do que feminina. É feminista. No sentido da palavra que é contra o sexismo e as injustiças.”

– Há quem se incomode com o termo “literatura feminina” e quem discorde da afirmação de que a escrita feminina precisa de mais visibilidade por ser historicamente reduzida em relação à masculina. Você classificaria sua obra como literatura feminina? Acha que estamos caminhando para conseguir um equilíbrio no que tange à visibilidade de obras produzidas por mulheres?

Mulheres têm que quebrar tetos de vidro todos os dias. São de vidro porque parecem que não estão lá. Mas estão. É sempre uma luta. Lutamos pelo voto, pelo gozo, por direitos iguais, por salários iguais, por espaços públicos iguais. Mas ainda há um grande percurso a seguir. Nosso sistema ainda é um patriarcado. O mesmo que ainda abusa, estupra, mata. O mesmo que trata a mulher como objeto e como inferior. O mesmo que não abre espaço. Acho que minha literatura é mais do que feminina. É feminista. No sentido da palavra que é contra o sexismo e as injustiças. Não sou contra o homem, entende?

– Por falar em literatura feminina, quais autoras você lê e indicaria como leitura obrigatória?

Falaria das que me inspiram e as que me fizeram e me alimentam enquanto poeta. Adélia Prado, com suas questões sobre a religião e o corpo, e também Hilda Hilst. São poetas que tratam sobre a existência, que são também minhas questões. Outra poeta de que gosto muito é Matilde Campilho e também RupiKaur. Meu próximo livro – “Falo delas” – ainda não publicado, tem a influência dessas duas.

– Lanço para você uma indagação que está presente em um dos seus poemas: “Há espaço para poetisas Zen?”

Esse é um poema que fala das bases do zen. Se há a natureza, como a brisa e a flor, há também o humano. Não há um sem o outro. E, assim, se inclui a mulher e a poetisa. Há espaço para ela sempre. Com luta, mas há.

Sala de Leitura – Sábad0, às 10h15, na Rádio CBN Juiz de Fora (91.3 FM). 

Capa do livro Mônica Hortegas

“Instruções para o poeta zen”

Autora: Monica Giraldo Hortegas

Editora: Venas Abiertas (86 páginas)

Lançamento nesta terça-feira (26), na Arteria (Rua Chanceler Oswaldo Aranha  535 – São Mateus).

 

Poesia do livro “Instruções para o poeta zen”

Por Monica Giraldo Hortegas

Um poema Zen

não tem princípio nem fim.

É indizível, incompreensível

e incomensurável.

Nele há silêncio

e linguagem.

A natureza fala por si mesma

sem o auxílio do homem.

Uma montanha é.

Um rio é.

Uma flor gira

eternamente

nas mãos de Buda. 

 

 

 

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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