O primeiro livro que Adriana Gamelas lançou recebeu o nome de “O vilarejo”. Ele chegou às prateleiras no primeiro semestre de 2021, trazendo em suas páginas um lugar repleto de casas coloridas e alegres. Um lugar onde as pessoas se respeitam. Um vilarejo “que existe dentro do nosso coração quando acreditamos num mundo mais generoso”, disse a autora carioca que, no ano passado, assinou com a Paulus e fez o Vilarejo alçar novos voos. O vilarejo agora é pura poesia.
Com a primeira grande editora com a qual trabalha, Adriana segue com o projeto de fazer uma obra totalmente sensorial. Assim como no primeiro título, em “Vilarejo poético” (48 páginas), a autora também assina as ilustrações, utilizando materiais, como telas, pano cru, tinta, fitas, feltros, pau de canela, anis estrelado e botões. Ela me conta que usa elementos que fazem com que a ilustração seja única. O diferente é que, agora, não há espaço para prosa. O livro apresenta 20 poemas.
“Comecei a levar o ‘Vilarejo’ para as feiras literárias. É uma obra toda tátil para que as crianças que são deficientes visuais possam ‘entrar’ na ilustração. E aí surgiu a oportunidade de fazer um Vilarejo todo poético, na mesma linha da Arte Naif. Eu pinto as telas de forma que a criança olha e fala que parece que foi outra criança que pintou. A Arte Naif é uma pintura inocente. E meus desenhos trazem essa coisa rústica”, comenta a autora, radicada em Juiz de Fora, ressaltando que essa técnica acaba contribuindo para levar a meninada para dentro do universo da literatura. “Por meio da pintura, as crianças querem conhecer as histórias e vivenciar as poesias.”
“É tão claro amar Drummond”
Em “Vilarejo poético” todos os poemas giram em torno da simplicidade. A inspiração vem das pausas da vida. “Às vezes, estou no quintal, olho uma joaninha ou uma folha. Aí sento e escrevo. São momentos que eu vivo, detalhes que a vida proporciona e que, às vezes, na correria, a gente não vê”.
Segundo Adriana, o poeta de referência é Carlos Drummond de Andrade, a quem ela homenageou com o livro “Pergunte ao vento”, lançado em 2023. A autora sabe que é apaixonada pelo autor mineiro, mas não se arrisca a tentar se lembrar de onde surgiu essa paixão toda. “É tão claro amar Drummond”, diz ela, confidenciando o que a faz se encantar pelos versos dele. “Amo essa mistura da cidade com o campo. Essa coisa do movimento o tempo todo, que eu trago no livro”, aponta, citando como exemplo o “Sem escangalhar”, o segundo poema de “Vilarejo poético”: “O mundo é mesmo redondinho./Não há como negar./ Parece uma engrenagem perfeita,/ sem medo de errar./ A lua majestosa aparece./ O sol descansa no mar./ De um lado, alguém acorda/ e, do outro, adormece.”
Nesses versos, Adriana quer retratar que o mundo está em movimento, mas é possível se voltar para o simples. Colocar o pé na terra e sentir o cheiro da natureza. “São poemas que trazem a paz e o aconchego, e tenho Drummond como minha referência.”Já que mencionamos o cheiro da natureza, a escritora comenta que é por meio do cheiro que ela procura despertar nos pequenos o gosto pela poesia. É isso mesmo. E ela ainda afirma, com muita convicção, que não é difícil fazer a meninada gostar de poemas. “Costumo falar que a poesia tem cheiro e levo flores para as crianças e, a partir daí, elas mergulham no mundo poético. Fiz um trabalho com estudantes de educação infantil e foi lindo. Você tem que levar algo mais concreto. Começa perguntando o que é poesia e elas começam falando que é mãe, que é família. Elas sabem o que é poesia. É como se elas estivessem se alimentando daquele momento poético. É o que eu sinto.”
E qual é o público-alvo do “Vilarejo”? “Meu livro atinge todas as idades, e meu coração ficou mais calmo quando eu fiz uma pós em literatura infantil. Eu tinha dificuldade em definir meu público, mas aí, lá, descobri que não preciso escrever para uma idade específica”, afirma a autora, dividindo conosco uma experiência que a fez perceber o que ela quer provocar com a literatura que produz. “Tem uma poesia minha que se chama ‘Cheiro de boi’. Fui contá-la para as crianças. Primeiro, elas falaram ‘eca, cheiro de boi deve ser horrível.’ De repente, uma falou que ‘cheiro de boi é cheiro de churrasco’. Pensei, ‘nossa, elas moram em Juiz de Fora e não sabem o que é cheiro de boi. Para ser legal, tem que ter cheiro de churrasco.'” Isso me impressionou e me fez ver que é isto o que eu queria fazer. Queria fazer com que as crianças se voltassem para o simples. Elas estão vivenciando pouco o que é simples. As crianças precisam se voltar para o rústico e para o bucólico. Isso está fazendo falta.”
Adriana Gamelas é professora. Formou-se em pedagogia e fez duas especializações, sendo uma em psicopedagogia e outra em literatura infantil e juvenil. Também é autora de “A menina com cheiro de alecrim.” Sobre seu lado ilustradora, ela conta que é autodidata. Suas ilustrações vêm da alma. “Meu pai era escultor em Portugal. Ele também não tinha estudado arte. Era uma coisa de expressão. Aquilo vem na minha alma e eu tenho que explodir.”