Crianças e adolescentes também podem “poetar”

Por Marisa Loures

knorr site crédito Knorr
Autor dos recém-lançados “Narcisos” e “O livro dos verbos”, Knorr inaugura oficina de poesia na Estação Palco – Foto Knorr

Todo mundo vive repetindo por aí que é difícil arrebanhar leitores para a arte poética. O juiz-forano Knorr, poeta da efervescente geração “Abre Alas”, conhecido, principalmente, por sua poesia visual e por publicar seus escritos em suportes inusitados, como em cápsulas e bulas de remédios, concorda, mas com ressalva. “Acho que isso é mais visível em adultos. Pelo menos é o que sinto quando visito escolas, tanto particulares quanto públicas, seja para fazer oficinas ou mesmo para um bate-papo com a garotada. Vejo que as crianças e os adolescentes têm, sim, um interesse pela poesia, pelo seu lado lúdico, principalmente quando percebem que não é uma atividade artística tão hermética quanto eles imaginam. Quando descobrem versos livres, quando lhes apresento a poesia marginal, ou mesmo a poesia visual, ficam encantados e passam a ver aquilo com outros olhos”, conta knorr, que inaugura uma oficina de poesia, voltada para crianças e adolescentes, entre 8 e 17 anos, na Associação Cultural Estação Palco.

Segundo o escritor, o projeto vai ser desenvolvido com turmas pequenas, com, no máximo, cinco alunos, agrupados por idades. Durante os encontros, além de leituras, serão trabalhados conceitos básicos, exercícios de rima, metrificação e poesia visual. “A oficina não segue muito uma cronologia, um plano pré-estabelecido. Vamos buscar fazer um exercício poético, lúdico, algo que dê um rumo, um norte, e a partir daí seguir os caminhos”, explica o também jornalista e músico. Nessa conversa, ele fala sobre “Narcisos”, obra de 1990, reeditada no final de 2017, no mesmo período em que ele lançou o novíssimo “O livro dos verbos”; a influência inspiradora do mundo digital na criação poética e o encantamento dos pequenos pelos livros de papel. Quem quiser seguir o trabalho de Knorr, o endereço no Facebook é www.facebook.com/knorrpoesia.

Estação Palco de casa nova

De casa nova desde o dia 1º de março (Rua São Sebastião 885), a Estação palco, sob o comando de Nilza James, traz, ainda, como novidade, aulas de culinária, artesanato, desenho digital e percussão. Esta última também é ministrada por Knorr. Os já tradicionais cursos de teatro, contação de histórias, instrumentos musicais, canto e desenho e pintura, entre outros, continuam a ser oferecidos. Iniciando a programação de 2018, o espaço realiza nos dias 17 (das 10h às 18h) e 18 de março (das 10h às 17h), a 1ª Feira de Artesanato da Estação Palco. Os interessados em participar de qualquer uma das oficinas devem dirigir-se à sede da instituição. O telefone de contato é 3216-7773.

 

Marisa Loures – Você é seguidor do Concretismo. É fácil levar poesia concreta para os leitores?

Knorr – Acho que acaba sendo mais fácil hoje em dia, principalmente, pelo apelo visual que os nossos meios de comunicação imprimem na nossa sociedade. As pessoas se mostram surpresas ao perceberem que se pode fazer poesia com símbolos visuais, com formas, às vezes, sem nenhuma palavra, e, às vezes, até mesmo sem nenhuma letra. No começo, há um estranhamento normal, por vezes uma repulsa ou negação, mas acabam percebendo a força das imagens. O caminho para se chegar até essas pessoas é que não é fácil, assim como não é fácil levar qualquer outro tipo de poesia ou outra forma de arte. Infelizmente, estamos vivendo uma época – e isso se acentua em nosso país, até mesmo por outros motivos, sejam eles econômicos ou mesmo políticos – em que o entretenimento é constantemente confundido com a arte. Tem lugar para os dois, mas parece que estão dando muito pouco espaço para a arte. Esse projeto dessa oficina de poesia é uma tentativa de resgatar um pouco desse espaço.

– E por falar nisso, numa época na qual as crianças e os adolescentes têm muito contato com o visual através das tecnologias, os poemas visuais podem contribuir para despertar o interesse deles para a arte poética?

– Hoje temos uma turma convivendo com aplicativos e softwares 24 horas por dia. E a informação emitida ou recebida por eles é basicamente visual. São imagens, ícones, emojis, memes. Você vê que está tudo ligado ao visual. Esse é o campo que se percebe primeiro, é o que chama mais a atenção deles. Sempre que participo desses bate-papos em escolas, percebo que eles ficam empolgados com a poesia visual. E também sinto que a minha poesia, que é feita de poemas curtos, com bastante concisão nos seus versos, são também bem aceitas por essa geração, porque não estão dispostos a textos longos, têm um pouco de preguiça para ler. Quando eu lhes apresento, por exemplo, alguns vídeos que fiz dos poemas visuais, em forma de animação, eles se empolgam e percebem que eles também podem criar, podem “poetar”, que a poesia não é feita somente daqueles poemas clássicos, de sonetos parnasianos. Não que eles devam ser largados de lado, pelo contrário, mas ser realocados no contexto atual, e convivendo com as novas formas de poesia.

– E o mundo digital oferece instrumentos inspiradores para a criação poética?

– Com certeza. A possibilidade de escrita, hoje em dia, é muito ampla. Você tem ao seu lado, o tempo todo, um celular, um tablet, um notebook, e todos eles facilitam o registro, a pesquisa, a experimentação. Quando se fala nisso tudo a serviço da criação na poesia visual, então, é algo que não se pode medir. Os softwares gráficos e editores de imagens, aliados a bancos para pesquisa, são um universo imenso para a produção poética. Você tem dicionários online, tudo ao alcance das mãos, e isso pode ser feito em qualquer lugar: em casa, numa praça, num banco de ônibus. Assim como na música, onde hoje em dia você consegue gravar belíssimos trabalhos na sala de casa, na literatura você consegue escrever, diagramar e até mesmo publicar um livro diante de uma tela eletrônica. O único instrumento que será sempre insubstituível é o homem, seja ele na condição de criador ou de leitor.

– Hoje as plataformas digitais e as analógicas coexistem. O livro ainda tem seu papel de destaque nesse campo?

– Eu acho que sim, principalmente quando se fala no público infantojuvenil. O que tenho percebido, não só com os meus filhos, mas num universo mais amplo, é que, apesar de estarem cada dia mais conectadas via celulares, as crianças não abrem mão de um livro. Acho que é o sentido do tato falando bem forte aí. Passar as folhas de um livro gera um sentimento de completude, de dever cumprido, de que você percebeu e decifrou a mensagem, seja ela através de letras ou de imagens. E também um contato íntimo, o toque, o carinho.

– No seu processo criativo, o que nasce primeiro, a palavra ou  o formato?

– Não há uma ordem específica. Às vezes a forma me aparece primeiro. Às vezes, a frase que depois vou trabalhar visualmente. Estou falando do processo criativo da poesia visual, que chega a ser longo em alguns poemas, durando até mesmo anos. O que percebo é que, depois de um tempo e depois de vários livros publicados, as formas vão se esgotando, passando a palavra a vir primeiro. Mas a busca por novas formas continua incessante. E quando o poema é puramente textual, busco sempre formar imagens através da criação desses cardumes de palavras que ficam nadando na minha mente.

– No final do de 2017, você relançou a obra “Narcisos”, lançada, pela primeira vez, em 1990. Também lançou “O livro dos verbos”. As duas obras, de certa maneira, dialogam?

– “O livro dos verbos” já estava prontinho, impresso, quando me aconteceu a inquietação de reeditar o “Narcisos”. E me aconteceu porque, passando um pente fino nas caixas de papéis antigos, reencontrei as cartas do Manoel de Barros e do José Paulo Paes elogiando a obra. Eu as postei na minha página de poesia no Facebook e muita gente ficou curiosa, querendo conhecer o livro. Aí resolvi enfrentar outra inquietação, que era a de voltar a publicar sem utilizar verba pública. No caso, a Lei Murilo Mendes. E deu certo. As pessoas apoiaram o projeto, com até mais do que eu havia proposto. E foi com esse “mais” que consegui incluir os poemas perdidos da primeira edição. Mas eu só penso na possibilidade desse diálogo quanto à forma, já que são concisos, curtos. Foi em “Narcisos” que iniciei essa forma de poesia, e no “Livro dos verbos” eu continuei mantendo, assim como em outros. Talvez haja outra conversa entre eles quando penso que “Narcisos” é uma poesia mais voltada para mim, mais interiorizada, ao passo que o “Verbos” é mais para fora, mais exteriorizada. Pode ser uma atração pela dicotomia dos seus conceitos, no sentido filosófico do termo. No final, são todos meus filhos, carregam um pouquinho da minha carga genética de poesia.

– Quando conversamos em 2015, você disse que se considerava de uma geração de poetas que havia dado certo e que achava que estava na hora de surgir outro movimento de poetas em Juiz de Fora, assim como foi o “Abre Alas”. Chegou a dizer que iria se juntar a outras pessoas para dar início ao processo. Esse desejo foi para frente? Como você vê a cena hoje na cidade?

– Esse desejo, infelizmente, ainda não foi para frente. Daquela época até hoje, vejo que surgiram, sim, alguns movimentos bacanas, como o Eco, e, atualmente, um coletivo interessante ligando a poesia ao hip-hop, ao rap, o Slam Poético da Ágora, além de diversos outros encontros e saraus que vêm acontecendo em alguns pontos da cidade. Mas acho que, em sua maioria, estão fechados em si próprios e falta algo que faça com que a cidade preste atenção, como era com o “Abre Alas”. Sei que os tempos são outros, as pessoas, as percepções, e até mesmo o sentido estético e a forma da poesia mudaram, mas sinto essa falta, a de um movimento mais aberto, sem nenhuma amarra. Eu ainda tenho vontade de me juntar a outras pessoas e propor, para os tempos de agora, um movimento como foi o “Abre Alas”. É somente um desejo. Quem sabe a Estação Palco tenha vindo para aglutinar essas pessoas?. A ideia está no ar, quem sentir o mesmo é só falar.

Sala de Leitura

Toda quinta-feira, às 9h40, na Rádio CBN Juiz de Fora (AM 1010).

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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