José Renato Amorim: ‘O livro é uma celebração à linguagem, concebido, porém, com humor e afeto’

Neste Dia das Crianças, a literatura chega em forma de brincadeira, pois José Renato Amorim lança “Tautograma da bicharada”, livro que ensina o alfabeto, estimula o respeito da meninada pelos bichos e une poesia, afeto, ludicidade e prazer em aprender

Por Marisa Loures

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Neste Dia das Crianças, a literatura chega em forma de brincadeira, pois José Renato Amorim lança “Tautograma da bicharada”, livro que ensina o alfabeto, estimula o respeito da meninada pelos bichos e une poesia, afeto, ludicidade e prazer em aprender (Foto: Divulgação)

Neste Dia das Crianças, José Renato Amorim recorre às sábias palavras de Rubem Alves — “O livro é um brinquedo feito com letras” — para apresentar o novíssimo “Tautograma da bicharada” (Funalfa Edições). Trata-se de uma obra “que combina a poesia, o alfabeto e o mundo animal”, dispara o autor. “O livro é uma celebração à linguagem, concebido, porém, com humor e afeto. Assim, pode ser um instrumento para alfabetização e letramento e, paralelamente, um brinquedo”, sentencia ele, que coleciona outros títulos voltados para os pequenos e que é pós-graduado em literatura infantil e juvenil.

O escritor enfatiza que, com o novo lançamento, entre suas pretensões, também está dar voz aos bichos, aproximá-los dos leitores e incentivar uma convivência baseada no respeito pelo mundo animal. Para ficar mais clara a proposta da nova criação de Amorim, eu explico. Com ela, a meninada tem a oportunidade de aprender o alfabeto por meio de poemas, sendo que, como já antecipa o título, todas as palavras começam por uma mesma letra, chegando até mesmo a se parecer com um trava-línguas. A cada nova letra presentada, o poema gira em torno de um bicho.

Quando o foco é a letra A, por exemplo, a brincadeira é feita com a Arara, Anjo Azul. “Arara Azul andava ansiosa/ aflita, abria as asas,/ almejando alçar alturas./ Afetuosa, abraçava andorinhas,/ acariciava arapongas./Ave, arara amorosa/ Agora, animada, ares alçou./ Asas abertas, alegre, altiva,/arara aeronauta./ Admirada, apreciava açudes./ Águas abaixo, aves acima/ aqui, acolá, aventuras apreciando./ Alma viva, adornando ar anil,/ anelando a amplidão./ Arara, Anjo Azul.”

Amorim assevera que, antes de tudo, a proposta do livro é literária. “Contudo, espero, sim, que surja uma relação de empatia entre as crianças, os animais e o meio ambiente. O ilustrador Alberto Pinto, que fez um trabalho de excelência, humanizou os bichos, favorecendo esse alcance. Ressalto que o livro foi produzido com apoio da Lei Murilo Mendes, pela Prefeitura Municipal de Juiz de Fora e Funalfa, através do edital ‘O Bicho Pegou’, que tem relação com a causa animal. Vale destacar, ainda, Guimarães Rosa, que nos legou a frase: ‘Amar os bichos é aprendizado de humanidade’.

Marisa Loures – José Renato, por que transformar o alfabeto em poesia e brincadeira para as crianças?

José Renato – Lygia Bojunga, em uma entrevista, disse que, quando criança, brincava com os livros como se fossem tijolos. Ela construía a casa com eles e depois se espremia para caber naquela pequena habitação. Com essa brincadeira, foi ficando íntima dos livros até descobrir que, com eles, poderia morar no mundo inteiro, através da imaginação. O lúdico pode ser o ponto de partida para toda forma de aprendizado. A infância é a época de brincar, mas também de aprender e de ser alfabetizado. A poesia pode ser um elo para aprender enquanto se brinca, e, se a criança vê o livro como brinquedo, a leitura, no futuro, será fonte de diversão e não de obrigação.”

– E de que forma a poesia pode contribuir para o processo de alfabetização das crianças, especialmente em tempos de tantas distrações digitais?

O depoimento de professores, após a implementação da lei que regulamenta o uso do celular nas escolas, é sobre o retorno de muitas brincadeiras durante o recreio, a retomada do diálogo e uma melhora significativa na socialização. Uma ação do Estado, a princípio dura, mas com fulcro na proteção das crianças e adolescentes, e que já se mostrou positiva, reduzindo o espaço do digital na escola. Da mesma forma, a introdução da poesia, com mais ênfase, tanto na escola como em casa, pode produzir bons frutos, não apenas na alfabetização, mas numa gama diversificada de saberes. O Pensador e educador Rubem Alves disse que “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”. Penso que aquelas que aplicam a poesia em seus fazeres pedagógicos levam os seus alunos a voos mais altos. A poesia amplia o olhar, aguça a criatividade e a capacidade crítica, pavimentando a estrada para o futuro.

– Que efeito espera que a musicalidade dos tautogramas cause nas crianças? A poesia pode transformar a forma como elas ouvem e sentem o mundo?

Todo gênero literário é um portal para compreender melhor o mundo e a si mesmo, mas a poesia, com sua musicalidade, ritmo e capacidade de síntese, tem papel fundamental na infância, acelerando e aguçando a sensibilidade e a curiosidade. A poesia liberta a imaginação e a percepção, permitindo explorar a beleza das palavras e das imagens, assim como a riqueza dos sentimentos. Vou me apoiar em Nely Novaes Coelho, que aponta a literatura infantil como espaço de experiência estética e lúdica, onde a criança pode reconhecer suas próprias emoções e construir seu lugar no mundo, alimentando o psiquismo e a formação do imaginário. É através dela que a criança dialoga com a cultura, com os valores e com o belo. A poesia potencializa essa visão de Nely Coelho.

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Capa do livro “Tautograma da bicharada” – Foto: divulgação

– Já fiquei pensando na dificuldade ao escrever poemas em que todas as palavras começam com a mesma letra. Conte-nos como foi seu processo de criação.

Certa vez escrevi o tautograma “Paca Poética” em parceria com a escritora Dea Araújo, postado depois nas redes sociais. Em seguida, fui desafiado a fazer outro com a letra Q e compus o “Quati Questionador”. Dali em diante, comecei a fazer, gradativamente, os tautogramas já com o título em mente: “Tautograma da Bicharada”. Não segui ordem alfabética, mas fui criando à medida que me parecia sonoro ou poético um nome. Por exemplo, um elefante elegante, um rato risonho, ou uma libélula levada. Definidos o bicho e sua característica, começava a produzir o texto, contando a história com muita ludicidade. Em alguns momentos, foi, sim, desafiador, mas prazeroso.

LEIA MAIS entrevista com José Renato Amorim aqui: ‘Há uma criança dentro de todos nós’

– E a escolha dos animais como protagonistas dos poemas tem algum significado pedagógico ou afetivo específico?

Os animais, personagens centrais do livro, são elementos universais que fascinam as crianças e servem como pontes para o aprendizado e desenvolvimento emocional. Eles representam a natureza, a diversidade e espelham características e comportamentos humanos, facilitando a identificação. As histórias com animais personificados permitem que as crianças explorem valores, sentimentos e dilemas de forma segura. Quanto ao significado afetivo específico, destaco que, quando escrevi “Foca Feliz”, lembrei-me da composição de Vinicius de Moraes e Toquinho – “A Foca” – interpretada por Alceu Valença no álbum “Arca de Noé”. Recordo-me de colocar a música para meus filhos, quando eram crianças. Esse tautograma teve o sabor da infância dos meus filhos.

– E é uma obra em que brincadeira, imaginação e aprendizagem caminham juntas. Qual o caminho para equilibrar diversão e aprendizado sem perder a sensibilidade poética?

Ótima pergunta. Penso que a chave para encontrar esse equilíbrio está na própria natureza da poesia e da infância. Veja, os tautogramas são, inicialmente, um grande jogo na busca por palavras que começam com a mesma letra em cada verso. Ele diverte, desafia e, ao mesmo tempo, estimula o vocabulário, a fonética e o reconhecimento do alfabeto de uma forma lúdica. A criança brinca com as palavras, percebe sua sonoridade e se encanta com a melodia que elas criam, sem perceber que está aprendendo. Ao dar voz aos animais em situações inusitadas e divertidas, permitimos que as crianças criem seus próprios mundos, onde as histórias e ilustrações convidam o leitor a se transportar para o universo da bicharada, e onde a sensibilidade poética brota naturalmente da conexão com os personagens e suas aventuras. Assim, a sensibilidade poética não é perdida, mas reforçada por essa abordagem.

– Os tautogramas podem ser usados em sala de aula ou em atividades lúdicas. Que sugestões daria a professores e familiares para explorar o livro com as crianças?

Sim, o tautograma pode e deve ser usado em sala de aula. Ele funciona como um jogo linguístico que pode estimular a consciência fonológica, desenvolver a criatividade, promover o letramento lúdico, entre outras coisas. Uma sugestão simples para os familiares é fazer em casa a leitura em voz alta. O ritmo e a sonoridade dos tautogramas estimulam a leitura fluente e a percepção da estrutura das frases. E, depois, o desafio de criar um tautograma a partir do nome da criança, o que incentiva a escrita criativa e a experimentação linguística. Quanto às atividades em sala de aula, esclareço que há um manual para os professores com explicações sobre a obra, um aprofundamento teórico e sugestões de atividades para pré-leitura, leitura e pós-leitura. Basta solicitar, e enviarei sem custo à escola.

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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