‘Escrevo para ser lido e enfrento as trevas das estradas que levam até o leitor’

Sala de Leitura entrevista o escritor D.B.Frattini

Por Marisa Loures

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O escritor mineiro D.B.Frattini lança mão de elementos do teatro do absurdo na narrativa de “Meninos suspensos”, um suspense irônico que apresenta uma reflexão sobre a existência humana (Foto: Divulgação)

D.B.Frattini confessa que precisa de leitores, mas a preocupação dele não é com a venda de livros. Ele gosta de conversar, e não é de hoje que o diálogo se dá por meio das obras que cria. “Escrevo para ser lido e enfrento as trevas das estradas que levam até o leitor”, conta o autor que teve “a dramaturgia como o primeiro endereço de suas palavras”. Por mais de três décadas, dedicou-se ao teatro. Aliás, a primeira peça dele estreou, em 1990, no Fringe de Edimburgo, considerado o maior festival de artes do mundo. Agora, dedica-se inteiramente à literatura. Seu mais recente lançamento é o romance “Meninos suspensos” (Patuá, 234 páginas). 

Daniel é o protagonista e o principal narrador do livro. Trata-se de um homem excêntrico, de 60 anos, que vive um momento decisivo. E “para se perdoar de um passado esmagador”, é obrigado a fazer uma revisão de sua trajetória de vida. “O protagonista está colocado dentro de um momento nevrálgico e é obrigado a rever os principais acontecimentos dos seus sessenta anos de vida: a passagem pelo colégio de padres; o assassinato dos pais pela ditadura militar; a morte de um colega de colégio causada por um transtorno mental num tempo em que não existiam recursos ou conhecimentos ou tratamentos; a descoberta da hipocrisia e do preconceito no caso de amor entre dois amigos noviços; a estrutura comportamental errática dentro de um país que zela pela falta de cultura e ignorância. Sessenta anos de história de um homem brasileiro, e a Ditadura Militar é uma presença trágica”, adianta o escritor.

Mineiro de Pouso Alegre, D.B.Frattini formou-se na Faculdade de Belas Artes de São Paulo e, depois, especializou-se em Fundamentos Estruturais da Composição Artística, Antropologia Teatral e Commedia Dell’Arte. Ele foi dramaturgo do Grupo Boi de Mamão e da Theatrais Folias Andracômicas, além de professor de universidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Antes de “Meninos suspensos”, obra que marca sua estreia no gênero romance, já havia enviado para as prateleiras o livro de contos “Bofetada e êxtase” (Autografia). Ele também está entre os autores da coletânea “Abraços Ausentes” (Letraria). 

A escolha de um título de um livro não é tarefa fácil. Muitos decidem se lerão ou não uma obra a partir do título que ela possui. E o que você escolheu para esse novo livro é muito curioso. Por que “Meninos suspensos”?

O título vem da natural suspensão entre viver e morrer. Também tem relação com as personagens adolescentes da narrativa, os malabarismos e os mergulhos cegos da transição. Além da lagartixa, a segunda protagonista, grudada nas paredes, com seu sonho de liberdade.

Com essa obra, você faz uma homenagem à Lygia Fagundes Telles, sua amiga pessoal. Seu livro dialoga com “Verde Lagarto Amarelo”, conto escrito por ela. A própria capa já nos traz essa relação. Gostaria que explicasse as conexões entre as duas obras. 

Quem me apresentou à Lygia foi Hilda Hilst, quando trabalhávamos no mesmo Departamento de Artes Cênicas da UNICAMP, em Campinas, no final dos anos 1980 e começo da década de 1990. Resolvemos fazer uma homenagem, eu e a Editora Patuá, para Lygia com a capa de “Meninos Suspensos”, que realmente carrega influências do conto citado. Daniel e Ivan mantêm um relacionamento psicologicamente abusivo como os irmãos do conto icônico de Lygia Fagundes Telles. Meu amor por Lygia e Hilda é eterno.

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Capa do livro (Foto: Divulgação)

Em “Meninos suspensos”, há elementos do teatro do absurdo. Conte-nos como foi esse processo criativo.

Sou um escritor de monólogos interiores e fluxo de consciência; gosto da intervenção das personagens dentro do pensamento das outras. A dramaturgia celebra o fluxo dramático com muita intensidade, e meus trabalhos com narrativa romanesca são profundamente ligados ao teatro quando lido com a primeira pessoa. Os diálogos precisam de verossimilhança e, então, o absurdo acontece naturalmente. “Meninos Suspensos” não sustenta o gênero do Realismo Fantástico abertamente. Não idealizei, apenas procurei o mistério dentro da exaustão de Daniel. É real. A alucinação (?) pode ser bastante relativa.

E até que ponto a linguagem dos palcos influencia a sua escrita?

Totalmente. A criação da personagem é imprescindível, e o fluxo de sentimentos, sensações e emoções interiorizados precisa encontrar eco tanto no espectador como no leitor. É uma entrega de dois lados: Literatura e leitor ou dramaturgia (também literária) e espectador. Minhas personagens estão inseridas em cenários fixos e se transportam através das ideias. Não tenho nenhum interesse em autoficção. Penso mesmo que a autoficção é a desgraça da Literatura Contemporânea. O teatro (a dramaticidade) é um grande recurso para a invenção de um trabalho de ficção específico.

Aliás, como surgiu a ideia de criar uma lagartixa lésbica que fala?

Aconteceu. A lagartixa está ali na morgue. Está suspensa, e Daniel precisa dialogar internamente com a vida. A pergunta é interessante. Sempre acreditei que todas as lagartixas são lésbicas, assim felizes e sexualmente liberadas. Bichinhas muito subestimadas, inteligentíssimas e necessárias. A heroína de “Meninos Suspensos” encontra a liberdade quando se identifica telepaticamente com os sentimentos incomuns do protagonista. Não sofro com nenhuma patologia psiquiátrica. Sou um artista. Invento.

De que forma as questões históricas retratadas no livro são importantes para a construção da narrativa?  Foram momentos marcantes para você?

É claro. Sou um escritor longevo que detesta autoficção, mas devo dizer que vivi e sofri com alguns dos momentos mais aterradores da História do Brasil: com a Ditadura Militar; com a hiperinflação; com a falta do direito de voto; com a censura; com a demolição generalizada do Plano Collor; e com a corrupção política hereditária do país. Minha narrativa transita por um contexto histórico real através da criação (da invenção) de personagens verossímeis. Sofri, ainda sofro e vou morrer sofrendo. Não é verdade? Escrevo por obrigação íntima para um Brasil onde os poucos leitores estão presos dentro das teias de um mercado editorial especializado em traduções de best-sellers estrangeiros vagabundos. A necessidade da descolonização do livro no Brasil é um assunto essencial.

Ouvindo uma entrevista que você concedeu recentemente, percebi que você é um autor que dá muita importância para o leitor. O que você espera dele?

No momento, estou escrevendo um novo romance (por mais incrível que pareça, persisto, teimo). Escrevo para ser lido e enfrento as trevas das estradas que levam até o leitor. O autor necessita de resposta prática para dar continuidade ao seu ofício, o leitor é a parte mais importante de toda essa história. O trabalho de um artista morre sem a troca, o objetivo fica ceifado. Existem centenas de fatores que teimam em separar a literatura nacional do leitor brasileiro: uma história de prepotência e egoísmo. Então, não tenho vergonha, vivo esmolando para tocar corações e encontrar um leitor. É uma situação tenebrosa e é a realidade. A Literatura de um país sério não é feita com alguns poucos sucessos de venda nem de listas homogêneas e engessadas. É preciso entender (outra vez) que escritores de ficção são artistas sérios e a arte não sobrevive sem o outro, sem a humanidade da questão.

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Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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