‘É difícil me perceber como escritor, mas esse atrevimento (é um atrevimento!) sempre tive’

Sala de Leitura entrevista o escritor Túlio Gama e Silva

Por Marisa Loures

Tulio Gama Divulgacao
Dono de uma escrita simples, mas com apreço pela complexidade, Túlio Gama e Silva escreve “O efeito dos outros”, romance que aborda questões íntimas e contemporâneas, atravessado por trama envolvente e familiar (Foto: Divulgação)

Ainda na adolescência, Túlio Gama e Silva queria inventar histórias. A intenção era ser roteirista de cinema. Era um desses garotos aficionados pela sétima arte, e esse desejo, tempos depois, o levou a São Paulo. Foi estudar. “Essa sonhada carreira não aconteceu”, confidencia ele, que pode (ainda) não ter conseguido criar para as telonas, mas seguiu firme o propósito de se aventurar pela arte da escrita. 

Decidiu se autopublicar. Nasceu o primeiro livro. “Ainda é difícil me perceber como escritor, mas esse atrevimento (é um atrevimento!) sempre tive. É uma forma de eu sentir minha própria presença no mundo”, dispara o autor juiz-forano. Agora, com contrato firmado com uma editora, a Nauta, lança o “O efeito dos outros” (224 páginas), o segundo título. “É um romance que aborda questões muito íntimas e contemporâneas, atravessado por uma trama envolvente e familiar. Busquei uma escrita simples sem perder o apreço pela complexidade.”

Túlio formou-se em publicidade e depois fez mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Atualmente, dedica-se a revisar sua obra de estreia para, em breve, relançá-la. Também está nos planos partir para a publicação de um terceiro livro. Enquanto o novo projeto não nasce, “O efeito dos outros”  trilha seu caminho. 

Cada autor tem seu processo criativo. Alguns, quando começam uma história, já sabem exatamente como ela vai terminar. Outros vão deixando os personagens conduzirem a narrativa. Com você, como esse processo acontece? Como aconteceu com “O efeito dos outros”? 

Já escrevi nessas duas formas de processos criativos citados. Costumo já saber aonde quero chegar, tanto o final da narrativa quanto a intenção moral ou estética da obra. No caso do “Efeito”, foi um pouco dos dois. Ao longo dos anos na criação, teve vários desfechos, usava uma abordagem, depois a largava. Decidi escrever o narrador em primeira pessoa só depois de muito tempo. Eu escrevo cenas avulsas da história que me surgem casualmente, depois monto o quebra-cabeça. É caótico. É bom ter um plano, um roteiro, mas ciente de que os rumos podem mudar.    

“O efeito dos outros” traz a história de um homem que está prestes a entrar em depressão. Ele está desempregado, a mulher pede a separação e ele parece não saber que rumo seguir. Ele já não consegue sentir sua própria dignidade, conforme ele mesmo conta. E seu livro nos faz refletir sobre como todos nós somos marcados “pelo efeito dos outros sobre nós.” As inquietações do Antônio também são inquietações do Túlio? O Antônio é inspirado em alguém específico?

Sim e não. Muitas coisas na composição da narrativa e dos personagens me inspirei em fatos ocorridos comigo e com parentes e amigos. Quem convive com escritor é fadado a ser inspiração para algum projeto dele, não tem jeito. É a matéria do escritor, assim como a tinta do pintor ou o barro do escultor. Ou seja, é claro que as inquietações do protagonista foram, em algum momento, minhas inquietações reais. Mas isso quer dizer que o livro é uma espécie de autobiografia ou autoficção? Não diria isso. O desenrolar da narrativa não ocorreu na minha vida daquela forma. Mas é difícil acreditar que um autor não se inspire em suas ansiedades reais.

O efeito dos outros capa 6
Capa do livro (Foto: Divulgação)

Na orelha do livro, o escritor Marcelo Nunes escreve que você é “um autor mais preocupado com os sentimentos do que com questões de estilo ou narrativa.” “O efeito dos outros” é seu segundo livro. Concorda com a análise do Marcelo Nunes?

Concordo sim. Minha formação voltada para a área de cinema talvez tenha me guiado para uma linguagem mais direta e objetiva, pois o roteiro audiovisual procura ser concebido assim. No entanto, é sempre carregado de intenções emocionais, com intuito de causar reflexões e sentimentos. Arte, não é?

O que guiou sua escrita? O que buscava enquanto escrevia “O efeito dos outros”?

Inicialmente, era apenas um conto, praticamente uma crônica sobre a morte do meu avô. Era um desabafo íntimo, pois na época me fez refletir sobre muitas coisas. Só que não me contento criativamente com contos, então naturalmente fui incrementando o conto com novos personagens e desenvolvimento narrativo. Meu guia, durante todo o processo criativo, foi a busca do protagonista pelas “verdades”, principalmente aquelas que temos dentro da gente e nem sabemos.  

Marcelo Nunes também ressalta a simplicidade da sua narrativa. Apesar dela, ele diz, “você é capaz não somente de nos sensibilizar, mas de nos oferecer uma percepção aguda das coisas.” Essa simplicidade, que, para mim, é um ponto forte na sua escrita, pois nos prende pela história, foi conquistada conscientemente? Foi difícil alcançá-la?

Conquista para mim foi ter conseguido esse reconhecimento de alguns, acho que é o que todo artista almeja. Eu não busco a perfeição no modo de expressar as coisas, mas busco sim a precisão de expressar um sentimento real. Muitas vezes, um texto todo lapidado e incrementado com passagens gramaticalmente sofisticadas afasta o leitor da emoção. Estou mais interessado em fazer o leitor entender e sentir do que arrebatá-lo com eloquência, acho isso mais contemporâneo. Estudo muito ainda para, ao menos, vislumbrar um alcance que muitos autores já atingiram.      

Seu romance foi publicado pela Nauta, editora que foi lançada no mercado no dia 1º de setembro de 2023. Pode-se dizer que você é um dos primeiros autores dela. Como é essa busca por uma editora? O que aproximou vocês dois?

Depois que eu autopubliquei o meu primeiro romance (que em breve estará de volta, está em fase de nova revisão), percebi que seria importante uma editora envolvida no projeto do meu próximo. Achei que o aval único de qualidade sobre um livro, como é o caso de autopublicação, talvez seja um pouco ingênuo, e solitário demais. Há quem prefira assim – total respeito -, não foi meu caso. Então mandei o original do “Efeito” para algumas editoras e tive a honra de ser publicado pela editora Nauta, o que me envaideceu demais. É muito gratificante quando alguém acredita e trabalha no potencial da sua obra.  

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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