A violĂȘncia contra a mulher mobiliza eleitores conservadores e progressistas, mulheres e evangĂ©licos em especial, de acordo com a cientista polĂtica e pesquisadora da Fundação GetĂșlio Vargas, DĂ©bora ThomĂ©, ouvida pelo jornal Valor EconĂŽmico para analisar o AnuĂĄrio da Segurança PĂșblica. De acordo com o professor e tambĂ©m cientista polĂtico Raul MagalhĂŁes, da UFJF, “nĂłs estamos diante de um longo processo histĂłrico de criação de mecanismos para tornar visĂveis e punĂveis prĂĄticas que a sociedade brasileira sempre entendeu como questĂ”es meramente privadas, e que agora precisa repensar.”
Para muitos, a violĂȘncia contra a mulher Ă© entendida como parte da vida do casal
O professor acrescenta que “assim como a violĂȘncia contra crianças, a violĂȘncia domĂ©stica contra as mulheres ainda Ă© entendida por uma grande parcela da sociedade como parte da vida do casal, na qual o homem tem direitos sancionados por uma interpretação religiosa da superioridade masculina e obriga a submissĂŁo da esposa ao marido. Embora essas concepçÔes sejam explicitamente pregadas em cultos evangĂ©licos elas nĂŁo sĂŁo estranhas Ă tradição catĂłlica, onde as mulheres estĂŁo longe de serem emancipadas, ou terem melhor status. Quando leis e o debate pĂșblico jogam luz sobre esse problema ele aparece como uma intromissĂŁo descabida numa esfera que deveria ser regulada apenas pelos homens/pais/maridos, como estĂĄ em textos religiosos escritos hĂĄ milĂȘnios.”
Dominação masculina ainda é um tema presente das discussÔes
Finalmente, o cientista polĂtico destaca que, “se fosse apenas um problema evolutivo, ou seja, se progressivamente as coisas fossem sempre melhorando em função do maior esclarecimento o drama nĂŁo seria tĂŁo grave. O problema Ă© que a democracia atual tem de conviver com forças que querem defender que a regulação moral da sociedade Ă© atribuição exclusiva da religiĂŁo. Isso leva a disputas que nĂŁo ocorrem apenas no Brasil. Nos EUA, por exemplo, o tema do direito ao aborto, estabelecido nos anos 1970 (mais de 50 anos atrĂĄs) jĂĄ deveria estar pacificado, no entanto vai reaparecer na disputa entre Kamala Harris e Donald Trump. Essas disputas mostram como o conservadorismo religioso e a dominação masculina ainda sĂŁo dominantes. Vale lembrar que muitos partidos polĂticos no Brasil preferem burlar a lei que garante 30% de candidaturas femininas a terem deputadas e vereadoras comprometidas com seus programas, ou seja, infelizmente hĂĄ um longo caminho na mudança dessa realidade”, destacou.