Após o sucesso estrondoso da série “Adolescência”, na Netflix, as buscas pelos termos “incel” ou “celibatário involuntário” explodiram no Brasil. A terminologia amplamente retratada no seriado faz menção a um nicho virtual que se transformou numa verdadeira comunidade enraizada na misoginia. E os efeitos dela não se limitam ao espaço digital, o que é evidenciado pelos inúmeros casos de violência motivados pela ideologia no mundo real.
É por isso que o aumento do interesse pelo assunto no Brasil tem gerado preocupações entre especialistas e pais sobre uma possível radicalização online dos jovens – em particular por meio de fóruns da dark web.
O que é, afinal, um incel?
Em sua essência, a ideologia incel se baseia no ressentimento masculino. Ela se concentra em homens – geralmente jovens e heterossexuais – que se sentem injustamente privados de relacionamentos sexuais e românticos.
O ponto nevrálgico, então, vem da culpabilização de terceiros por esses supostos fracassos pessoais. Os principais alvos, nesse sentido, são o feminismo e as mulheres. Segundo a mentalidade incel, as mulheres, supostamente empoderadas pelo feminismo e seletivas por natureza, ganham controle exacerbado sobre o acesso masculino ao sexo e aos relacionamentos. Nessa visão de mundo, a autonomia sexual feminina é vista não como libertação, mas como uma ameaça.
Hiperconectividade acentua o fenômeno
Segundo especialistas, essa postura reacionária decorre de uma “crise de masculinidade” mais ampla, provinda da rápida transformação da sociedade que colocou em xeque muitos dos papéis ditos “masculinos” e deixou os jovens perdidos em relação ao seu lugar no mundo.
A hiperconectividade das redes sociais só intensificou o quadro, oferecendo comparações constantes e retratos idealizados de relacionamentos e de sucesso. É nesse ambiente que a ideologia incel abraça os jovens e lhes fornece uma sensação de clareza e pertencimento.
O problema é que, nesse ecossistema online, os discursos tendem a adquirir tons mais violentos com o tempo – especialmente em cantos ocultos da internet, como em fóruns da dark web. Esses espaços virtuais agem como câmaras de eco que radicalizam indivíduos ao normalizar o discurso de ódio, glorificar atos de violência e encorajar visões de mundo misóginas.
Ideologia no Brasil
No Brasil, as comunidades incel na dark web têm se tornado cada vez mais ousadas. Elas compartilham manifestos, criam memes para ridicularizar e desumanizar mulheres e, às vezes, até celebram a violência em massa.
Além disso, a ideologia incel no país ganha outras nuances locais, incorporando também matizes de racismo e antipatriotismo. Essa combinação tem desdobramentos importantes não só na saúde mental desses indivíduos, mas também na sociedade como um todo.
A linha entre o discurso digital e o perigo físico se torna mais e mais tênue. O anonimato, a linguagem codificada e a criptografia fornecidos pela dark web dificultam o monitoramento ou a intervenção das autoridades policiais até que seja tarde demais. É por isso que métodos para prevenir o contato com essas comunidades é fundamental.
Como evitar cair nessa toca de coelho
Para proteger a si mesmo e aos familiares desses grupos extremistas, algumas medidas de segurança virtual são recomendadas, como:
- Proteger o IP. “Mas o que meu IP tem a ver com isso?” O endereço IP pode ser usado para rastrear não só as atividades online dos usuários, como também sua localização. Ao usar uma VPN para ocultar o IP e criptografar os dados de tráfego online, os indivíduos podem escapar da mira dessas comunidades radicalistas e evitar maiores problemas no mundo real.
- Privilegiar o diálogo aberto. A adolescência é um período marcado por confusão, insegurança e busca por identidade. Ao fornecer um espaço de apoio aos jovens, pais e educadores podem reduzir a incidência da procura desse suporte em comunidades virtuais tóxicas e evitar que eles caiam na armadilha desses grupos.
- Promover alfabetização digital. Ensinar adolescentes a avaliar criticamente os conteúdos que encontram online, compreender a mecânica da radicalização dos discursos e reconhecer as táticas de manipulação usadas por grupos extremistas pode capacitá-los a resistir a ideologias nocivas e buscar ajuda ao se deparar com tais assuntos.
- Atentar-se ao discurso. Além de fornecer um ambiente onde o diálogo é bem-vindo, é essencial que pais e professores estejam igualmente atentos aos discursos proferidos pelos jovens em casa e na sala de aula. Muitas vezes, uma simples abordagem (feita com tranquilidade e livre de julgamentos) pode cortar o mal pela raiz e impedir que os jovens se aprofundem em discursos de ódio e se engajem em ações violentas.
Se a série da Netflix trouxe uma lição em relação ao movimento incel é que ele não é apenas um fenômeno online. Seja no Brasil ou em outros países do mundo, ele é um claro sintoma de desafios sociais muito mais profundos que devem ser enfrentados nos próximos anos.
A chave para conseguir isso e atingir a raiz do problema, combatendo o extremismo nocivo do espaço digital, jaz no emprego de uma abordagem multifacetada. É necessário, afinal, não apenas atender às necessidades emocionais dos jovens, mas também monitorar ativamente os ambientes digitais que se apresentam férteis para esse tipo de mentalidade e, principalmente, promover uma cultura de empatia e inclusão no cotidiano desses jovens.