Almaviva: o Vinho Chileno de Linhagem Real

Na semana de seu lançamento oficial na Place de Bordeaux, na Europa, trago para você a belíssima história do ícone Almaviva. A esperada safra 2021 do vinho franco-chileno foi apresentada, com exclusividade no Brasil, pelo enólogo e diretor da vinícola, Michel Friou.

Por Ana Cristina Mokdeci

Caríssimo Enoleitor:

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Pré-lançamento do Almaviva 2021, em São Paulo. Na foto: EPU 2020, Almaviva 2021, Almaviva 2019 e Almaviva 2010. (foto da autora)

Um dos maiores prazeres desta vida é degustar um belo vinho, concorda?

E apesar da existência de inúmeros vinhos honestos e perfeitamente satisfatórios, são raros os exemplares que verdadeiramente nos emocionam. Felizmente, vez por outra, nós nos descobrimos frente a uma verdadeira obra-prima, um vinho de coração e alma.

Um dos vinhos mais cobiçados do mundo, o Almaviva é um belo exemplo de um desses vinhos de exceção. E tão especial quanto a sua personalidade é a sua história.

Rothschild talvez seja um dos sobrenomes mais notórios e tradicionais do mundo do vinho. Em 1853, Baron Nathaniel de Rothschild adquiriu o Château Mouton Rothschild, que alcançou o seu auge sob o comando de Baron Phillipe, neto de Nathaniel, no início do século XX. Phillipe expandiu e promoveu a empresa familiar, criando relações e empreendimentos em várias partes do mundo. Por sua vez, sua filha, a Baronesa Philippine, ao assumir o comando dos negócios, seguiu com o propósito de inovar e expandir a influência da família.

A visionária Baronesa encontrou no Chile um parceiro perfeito para um arrojado empreendimento: criar um vinho premium franco-chileno excepcional. Para ela, era fundamental que ambas as culturas, francesa e chilena, estivessem representadas e presentes nesse inédito vinho.

Quem aceitou o desafio foi a tradicional vinícola Concha Y Toro. Desta forma, em 1997, a arrojada Phillipine e Eduardo Guilisasti Tagle, presidente da Concha Y Toro S.A., firmaram uma parceria histórica e fundaram a Viña Almaviva.

A escolha do nome, Almaviva, não poderia ter sido mais feliz. Além do significado, que remete à ideia de um líquido provido de alma que vive e persiste, por anos, dentro da garrafa, a alcunha foi inspirada por uma obra do destino. Ou melhor, por uma bela obra da literatura: as Bodas de Fígaro, de Pierre de Beaumarchais, mais tarde imortalizada, em partitura, pelo gênio Wolfgang Amadeus Mozart. Na famosa comédia, o Conde de Almaviva é o intrépido herói.

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Eu e a estrela do dia: o Almaviva 2021 (foto da autora)

O detalhe mais interessante é que a Baronesa Phillipine, na época, era casada com Jean Pierre de Beaumarchais, um descendente direto do famoso teatrólogo. Jean Pierre possuía, em sua biblioteca familiar, os manuscritos originais da obra. Dessa forma, não só o termo “Almaviva” foi livremente adotado como o nome oficial da nova empresa, como também a caligrafia do próprio Beaumarchais pôde ser utilizada no rótulo do vinho.

Falando no rótulo, caro leitor, ele é um espetáculo à parte. Contém um emblema, desenhado em traços rústicos, que carrega toda a simbologia da  rica e ancestral cultura do Chile. Sobre o kultrun, tambor ritual dos mapuche, povo indígena originário da região centro-sul do país, estão representados o cosmos, os 4 pontos cardiais e os ventos, retratados por semicírculos. A ilustração, faz, em última análise, uma referência ao ciclo da videira, que passa por distintas fases, durante as 4 estações do ano.

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Contra-rótulo do Almaviva 2021 (foto da autora)

A roupagem está bonita. O rótulo imponente cumpre a sua função: anuncia um produto que possui sangue nobre, afinal, Rothschild e Concha Y Toro pertencem a grupos de tradicionais e históricas famílias que contruíram verdadeiras dinastias no mundo do vinho. Contudo, estes lendários produtores sabiam que estariam sob o escrutínio geral, portanto, o seu vinho em comum teria que ser mais do que um “rostinho bonito”. Ele teria a obrigação de ser, no mínimo, extraordinário.

E como garantir a produção de um vinho, aos moldes franceses, em território chileno? Lembre-se de que, para a Baronesa, a sua terra natal era a maior referência da produção de vinhos de alta gama no mundo, em especial, Bordeaux. Assim sendo, algumas diretrizes nortearam a implantação do projeto, desde o seu início.

Uma delas, foi a escolha do terroir. Como ditam os melhores rótulos de Pauillac, a casta mais importante do blend seria a cabernet sauvignon. Portanto, imprescindível seria eleger um local em que a variedade pudesse atingir todo o seu potencial.

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Vista dos vinhedos da Viña Almaviva, em Puente Alto, no Chile (fonte: site Almaviva Winery)

Em 1996, a Concha Y Toro já produzia o seu maior ícone, o Don Melchor, em Puente Alto. A comuna, localizada ao sul da capital Santiago, foi um importante canal de comunicação entre a Cordilheira dos Andes e o vale do Maipo, durante o período colonial. Seus vinhedos, à época do início do projeto com quase 20 anos de idade, se mostraram à altura da meticulosa tarefa de gestar a casta que se tornaria o “coração” do Almaviva.

Um segundo e importante passo foi a criação do conceito de Château. Introduzido no século XIX, na França, era uma forma de honrar a maestria criativa dos viticultores de Bordeaux. A filosofia segue a concepção de Grand Cru, em que os recursos, os vinhedos, a bodega, a equipe – tudo e todos estão focados na produção de um único grande vinho, baseado em parâmetros de excelência e exclusividade.

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Michel Friou, enólogo chefe da Viña Almaviva (foto da autora)

“Uma grande vantagem de um grand cru é poder expressar um estilo que se mantém constante através dos anos, mas que representa, com precisão, as condições específicas apresentadas durante um determinado ano”, explica Michel Friou, o enólogo chefe do Almaviva. Michel, na minha opinião, talvez seja a “diretriz” não calculada desse vinho; o fator humano surpresa que representa a mais pura alma do Almaviva.

Friou uniu-se ao projeto em 2007. Nascido nos arredores de Nantes, na França, estudou Biologia e Agronomia Tropical, decidindo-se pela especialização em Viticultura e Enologia, em Montpellier. Sempre em constante busca por novos desafios, o jovem enólogo, antes de se aventurar pelo Chile, teve a oportunidade de desenvolver as suas habilidades em várias regiões de sua terra natal, como Bordeaux, Borgonha e Champagne, e também nas longínquas terras australianas.

Ele conta que teve como mentores duas das maiores referências da viticultura e enologia modernas: Paul Pontallier, saudoso diretor do Château Margaux, com quem aprendeu as nuances do icônico terroir bordalês e da cabernet sauvignon, e Michel Rolland, quando de sua passagem pela Casa Lapostolle, no Chile, de quem absorveu profundos ensinamentos sobre a desafiante profissão.

“Em se tratando de fazer vinhos, o mais importante é a paciência. Não se pode pretender aprender tudo sobre o terroir em apenas 1 ano; é preciso equivocar-se, para assim compreender os problemas existentes e dominar a forma de melhor explorá-lo (o terroir). Outro ponto fundamental para o crescimento da qualidade é a continuidade da equipe e a consistência do enólogo que encabeça o projeto. Isso define o ‘Norte’. É um ‘fine tuning’ (sintonia fina), alcançado com o tempo e através de muito trabalho”, ele esclarece, num tom de voz baixo e um tranquilo e largo sorriso estampado no rosto.

E há mais de 15 anos, Friou lidera o trabalho da equipe que segue desvendando o terroir, aprendendo e afinando os processos, sempre em busca da melhor performance e dos melhores produtos possíveis.

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Sala de barricas, Viña Almaviva (fonte: site Almaviva Winery)

Os primeiros 10 anos, Michel considera terem sido fundamentais para a busca da verdadeira identidade do vinho. No início, o estilo era um pouco mais francês, mais austero; num segundo momento, o objetivo passa a ser uma maior madureza, aliada a maior concentração e rendimentos mais baixos. Em seguida, adota-se a ideia de concentração e potência, aliadas a elegância e finesse. E a cada ano, invariavelmente, uma busca incessante pela precisão e pureza do vinho.

Como em todo Château que se preze, o grande vinho da casa não permanece por muito tempo como único filho. Com o ícone franco-chileno não foi diferente. A partir de alguns lotes de uvas não utilizados no blend do primogênito, é produzido um segundo vinho, o EPU, que funciona como uma “porta de entrada” do consumidor para o exclusivo mundo de Almaviva. Inclusive, a partir de 2019, EPU exibe no rótulo a mesma identidade visual do vinho principal.

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EPU 2020 (foto da autora)

“O Segundo”, tradução literal de “Epu”, do dialeto mapuche, é dotado do mesmo DNA do Alma, mas suas uvas são provenientes de vinhedos mais jovens, entre 7 e 12 anos (os vinhedos destinados ao titular têm idade média entre 25 e 28 anos, com vinhas de até 45 anos).

Apresentando níveis de complexidade e concentração distintos, os vinhos-irmãos também possuem uma diferença importante no assemblage. No EPU, a participação da cabernet sauvignon é maior, correspondendo a 80-85% do total do blend. No Almaviva, a porcentagem da casta permanece em torno de 65 a 72%, aproximadamente. Quanto à passagem por carvalho, para o caçula, são utilizadas apenas barricas usadas.

Tenho certeza de que você, caro amigo leitor, a essas alturas, encontra-se totalmente fascinado pelo universo do Almaviva, especialmente se ainda não teve a oportunidade de degustá-lo. Foi exatamente o que aconteceu comigo, durante um bom tempo: já o amava antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente.

Para minha alegria, recentemente, o amor platônico foi substituído por um certo grau de conhecimento de causa e uma profunda admiração por esse vinho que é, verdadeiramente, a expressão mais pura de um grande terroir.

O simpático enólogo Michel Friou esteve no Brasil esta semana para cumprir uma intensa programação para a pré-estreia da nova safra do vinho no país. A esperada edição 2021 chega ao mercado brasileiro em meados de 2024. O lançamento mundial oficial acontecerá no dia 6 de setembro, na exclusiva Place de Bordeaux, na França, considerado o maior sistema de distribuição de vinhos “premium” do mundo.

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(foto da autora)

No almoço de apresentação do EPU 2020 e do Almaviva 2021, no restaurante Vista Jardins, em SP, tivemos o prazer de desfrutar de uma mini vertical do Alma, degustando também as safras 2019 e 2010. Michel conduziu pessoalmente a experiência e contou detalhes sobre as condições climáticas enfrentadas, à medida que avançávamos nos vinhos.

Iniciamos os trabalhos com o EPU 2020, fruto de uma safra marcada por muita seca e calor. Ele se apresentou delicado, fresco, especiado. Rico em aromas de frutas de bosque, como framboesa, groselha e cassis, um toque de alcaçuz, arrematados por notas terrosas e mentoladas. Por sua passagem por barricas usadas de carvalho francês, esbanja suaves nuances tostadas e textura aveludada de taninos. O blend é composto de 81% de cabernet sauvignon, 12% de carménère, 5% de merlot e 2% de cabernet franc.

“Estamos muito felizes com as últimas safras em Almaviva. 2017, 2020, 2022, vão apresentar um perfil, uma expressão mais quente, mais madura, mais concentrada. Ao passo que 2018, 2019 e 2021, vão apresentar mais estrutura e elegância; na 2021, em especial, a suavidade de taninos é muito evidente”, esclarece o experiente enólogo.

Sobre a safra 2021, ele ainda dá mais detalhes:

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Em destaque, a safra a ser lançada na Place de Bordeaux, no próximo dia 06 de setembro: Almaviva 2021 (foto da autora)

“2021 foi mais fresca e fria do que as safras anteriores. Começou com um pouco mais de chuva durante o inverno, o que foi muito positivo, principalmente após a safra de 2020, bastante quente e seca. Em seguida, o clima se manteve seco e quente, até o início de um período de chuva mais opressivo (54mm), no final de janeiro, durante o período de veraison (que consiste na mudança de cor e textura da uva, em preparo para a colheita)”.

De janeiro até a colheita, o enólogo afirmou que o tempo se manteve mais frio, o que proporcionou uma maturação mais lenta das uvas. “Não houve grande estresse hídrico, nos permitindo obter uma ótima qualidade de fruta, com frescor, com tensão e boa qualidade de taninos. 2021 pode não apresentar o mesmo nível de concentração de outras safras mais quentes, mas o vinho apresenta mais elegância, mais precisão, mais tensão, mais frescor, mais pureza, enfim, mais delicadeza. Definitivamente, uma grande safra”, arremata Friou.

Na minha humilde opinião, o Almaviva 2021 está magnífico. Pela expressão e complexidade alcançadas pela variedade nesse período, a cabernet sauvignon ocupa 71% da mescla final, que conta ainda com 22% de carménère, 5% de cabernet franc e 2% de petit verdot. O vinho amadureceu, por 20 meses, em barricas novas de carvalho francês. Em taça, esbanja juventude e elegância, com notas de frutas vermelhas e negras, meio frescas, meio maduras, especiarias, flores, baunilha, terroso, alcaçuz e grafite. Gloriosamente mineral e fresco, aveludado e persistente.

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Almaviva 2010 (foto da autora)
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Almaviva 2019 (foto da autora)

Os representantes das safras 2019 e 2010 exemplificam, perfeitamente, a versatilidade de um grande vinho.

2019 apresenta precisão de fruta, elegância, frescor e volume. Promete evoluir muito bem, por longos anos.

2010 é a prova cabal da sua longevidade. Classudo, atingiu a serenidade da maturidade, somente alcançada com o passar dos anos. Ainda presentes um certo frescor e uma boa dose de fruta madura: atributos que são equilibradamente temperados por notas de caça, cogumelo, sous bois e fumo. O vinho encontra-se no auge do seu esplendor. Um representante vivo da máxima “quanto mais velho, melhor!”.

Vou te confessar um grande orgulho. Somente este ano, tive o privilégio de degustar 8 diferentes safras desse ícone, incluindo as duas primeiras, 1997 e 1998 (ambos estavam lindos, diga-se de passagem).

Posso afirmar que cada uma delas representa as várias faces de uma mesma moeda, demonstrando diferentes nuances da mesma linhagem, obtida através da união do melhor de dois mundos: a intempestividade revolucionária do Novo com a sabedoria inconteste do Velho.

Por todo esse esmero e talento, sempre que possível, questiono Michel sobre um detalhe. Como sou uma grande entusiasta de vinhos brancos, mal posso esperar para experimentar um “Almabranca”! Acredito que seria (ou será?) um vinho encantador.

Michel revira os olhos, sorri e me pede paciência. “Foram mais de 20 anos para alcançarmos o status atual dos nossos dois tintos, para os quais nossos esforços seguem voltados. Quem sabe daqui a (mais) 20 anos, num diferente terroir?”, ele se diverte, num tom professoral, aumentando as minhas esperanças. Sigo na torcida, confiante de que viverei para provar esse vinho.

Assim é Almaviva. Em cada garrafa, uma inédita história, contada, em capítulos, ao longo dos anos. Em cada gole, a celebração da determinação, do talento e da consistência, frutos de um meticuloso trabalho de paciência e observação, realizado sob o olhar atento e sereno de Michel Friou.

Saúde e até a próxima!

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Eu, acompanhada pelo enólogo Michel Friou, durante o pré-lançamento do Almaviva 2021, em SP (foto da autora)

 

 

Ana Cristina Mokdeci

Ana Cristina Mokdeci

Sou natural de Juiz de Fora (MG), Sommelière profissional desde 2020. Durante a pandemia, tornei-me wine influencer e criei minha marca, Da Vinha Ao Vinho. Sou formada pela Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo (ABS-SP) e tenho o nível 3 da certificação WSET (Wine And Spirits Education Trust, com sede em Londres). No Instagram, apresento um live/podcast, o DOSE DUPLA, em que conduzo bate-papos muito bacanas com personalidades nacionais e internacionais do mundo do vinho. Sou colunista colaboradora do blog especializado em vinhos V AO CUBO. Fui jurada do Wines of Brazil Awards, em 2021, no Rio de Janeiro. À convite da Associação Brasileira de Enologia, fui uma dos 16 comentaristas da Avaliação Nacional de Vinhos de 2022 (edição de 30 anos de avaliação), o único evento de vinhos de uma mesma safra do mundo e o maior do Brasil, que acontece em Bento Gonçalves, RS. Em setembro de 2023, compus o corpo de jurados do Concurso do Espumante Brasileiro, também patrocinado pela ABE.

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