Mão ao vento

Por Wendell Guiducci

É um hábito muito comum, embora cada vez mais raro. Por questões de segurança, obviamente, mas também por conta do conforto térmico e sonoro a que nos acostumamos. E para que cabelos longos – no caso de quem os tem – não se transformem em um ninho de mafagafos. É melhor que seja praticado nas estradas, onde velocidades mais altas podem ser atingidas. E é imprescindível que se esteja sentado no banco do carona ou nos bancos traseiros. Não que seja impossível fazê-lo do banco do motorista, mas os riscos são excessivos.

Basicamente o que você tem de fazer é descer o vidro da janela, colocar sua mão para fora e testar a resistência contra o vento. Não há coreografia pré-estabelecida, mas você pode começar, por exemplo, com o antebraço em ângulo de 90 graus em relação ao solo. Aí mesmo já pode fruir com diferentes posições das mãos: de lado, como uma faca cortando o ar; com o punho cerrado, diminuindo a área de contato; com a mão espalmada para a frente, no sentido em que o carro se move, desfrutando ao máximo as carícias do vento, mil dedinhos etéreos a massagear sua carne.

Você pode também inclinar sua mão, com os dedos juntos, apontando para a frente, como quem mergulha no vazio. Aí, num exercício intuitivo de aerodinâmica, perceberá que tem de fazer menos força, pois sua mão literalmente fura a resistência do ar a 80, 100 quilômetros por hora. Então você pode levantar suavemente a palma da mão e, controlando a musculatura, deixar seu braço ser lançado para cima e para trás, fazendo acrobacias no espaço.

Nesse momento sua mão se converte em um caça perseguindo inimigos em uma batalha aérea. Um mergulhão em busca de alimento em um riacho da Canastra, ignorante de sua iminente extinção. Um beija-flor flanando entre camarões-amarelos e helicônias. Super-Homem rumo à Lua. Todo tipo de fantasia, toda natureza de pensamento pode passar pela sua cabeça enquanto sua mão divaga ao vento. E por preciosos minutos você se esquece que está preso dentro de um bólido de aço e espuma, avançando pela tarde vazia, avançando no tempo, sem controle da direção, sempre em frente.

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka.Instagram: @delguiducci

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