A preocupação com o bem-estar dos animais é, na visão de não poucas pessoas, um dos sintomas de desenvolvimento de uma sociedade. Se demonstramos cuidado maior com os bichos de estimação e com as feras selvagens, é sinal de que estamos melhorando como pessoas.
Faz sentido.
Cada vez mais frequentes, denúncias de maus tratos causam indignação por toda parte. Não é incomum, inclusive, que a comoção envolvendo, digamos, um gato espancado na rua ou um macaco morto a pauladas no Parque da Lajinha seja maior do que com casos semelhantes envolvendo humanos.
Como jornalista e curioso dos fenômenos do ramo, já não me assusto quando a notícia de um cachorro baleado repercute mais que o assassinato de um adolescente de 14 anos.
E é aí que mora o perigo.
Indignar-se mais com os dramas animais do que com os dramas humanos pode sutilmente deixar de ser um indício de evolução social e passar a sugerir um outro movimento: a falência da nossa fé na própria humanidade.
Em um mundo onde o homem dá mostras diárias de sua capacidade de brutalidade – contra animais e contra outros homens -, em que a intolerância avança como uma horrenda sombra sobre todo o planeta, essa desesperança é compreensível, mas não menos condenável.
E não estou falando aqui de sair por aí atirando em passarinho e matando onça. Reitero a crença de que tratar melhor os animais pode ser sinal de que nos tornamos humanos melhores.
Mas só isso não basta. Não dá para salvar o cachorro e abandonar o menino.
Estamos nos acostumando à atrocidade, aceitando passivamente a violência e a crueldade – como já aceitamos, por exemplo, a corrupção, prática assassina conduzida a céu aberto e à luz do dia em Brasília (e não só lá) como se fosse a coisa mais natural, modus operandi oficialmente institucionalizado.
Talvez não creiamos mais no homem. No adulto adoecido pela ganância, pelo egoísmo. Vá lá.
Mas há que se manter a fé ao menos nas crianças, único farol que pode nos conduzir pelo caos desse mundo que parece se despedaçar, única possibilidade de determos a marcha involutiva rumo a tempos bárbaros.
Se não restaurarmos nossa fé – pelo cuidado, pelo afeto, pela educação -, se não vislumbrarmos na infância o embrião de um futuro melhor, aí teremos desistido de vez da humanidade.
Como Gonzaguinha, que acreditava na rapaziada, é bom a gente acreditar na meninada.
Senão não sobrará mais nada.
Nem pra nós e nem pros cachorros.