Em mais de uma oportunidade neste espaço eu militei, se posso assim assumir, em favor da “flânerie”, ou seja, do ato de passear a esmo. É uma atividade absolutamente inútil e improdutiva, como a maioria das coisas boas da vida, a qual depende de tempo. Há que se ter espaço na agenda para vagabundear, como todos sabemos. Todavia, na sociedade do desempenho, na falta quase universal de uma brecha no dia a dia para a sagrada vadiagem, é preciso criar meios de ao menos simulá-la. E viver perto das nossas obrigações é estratégico nesse sentido.
Imagine você, andarilho leitor, poder ir ao trabalho caminhando todos os dias? Imagine levar as crianças à escola sem ter de atravessar uma rua, andando de mãos dadas pela mesma calçada por duas centenas de metros? Fazer a quitanda na volta do serviço, carregando meia dúzia de sacolinhas porque não é preciso fazer compra grande: faltou tomate? Bota um chinelo e vai lá buscar, uai. Pão pro café da manhã? A padaria é ali na esquina e as fornadas, você sabe, saem às seis e às sete. O banco, na praça do quarteirão de trás.
Obviamente, o crescimento das cidades torna essas facilidades privilégio de pouquíssimos. O comum é o trabalho ser de um lado da cidade, a escola de outro, o psiquiatra no meio do caminho. Assim vão se tornando inumanas as metrópoles e – não é uma consideração exagerada – também as cidades de médio porte. Para tudo precisamos de condução. Carro pra cá, ônibus pra lá, Uber pra cima, táxi pra baixo. A pé, quase nada. Na era da obsolescência programada, sapatos nunca duraram tanto.
Lembro-me de que, quando criança, ganhei uma bolsa de estudos para cursar o ensino fundamental dois em uma escola particular em Ubá. Porém, preferi fazer o ciclo em uma escola pública, a Escola Estadual Raul Soares, que ficava a 300 metros de casa. Minha mãe não discutiu e, a julgar pelos diplomas na minha gaveta, não estava errada. Pode-se dizer que tudo correu bem. Eu saía de casa quando soava o sinal de seis e cinquenta da manhã, às sete estava na sala de aula. Voltava a tempo de assistir “He-Man” e “Thundercats”, o prato de comida me esperando no forno.
Aquela vida, porém, não existe mais, nem pra mim nem pra milhões que vivem nas cidades maiores ou nem tão grandes. Via de regra, o luxo de caminhar é prerrogativa para habitantes não de pequenas cidades, mas de vilas onde o tráfego redunda em bicicletas disputando espaço com cavalos. Lugares onde as pessoas se chamam pelo nome. Lugares em que as solas das botas se desgastam nos pedregulhos das veredas. Lugares onde a vida anda melhor porque anda a pé.