A ignorância, a História nos prova, é causa de muita dor. A ausência do saber, o desconhecimento diante de uma certa realidade que nos cerca e oprime, conduziu a humanidade em várias e várias oportunidades a hecatombes, às vezes em cenários horrendamente apocalípticos. Uma corrida de olho sobre o extermínio decorrido da ignorância do homem em torno da peste negra na Idade Média, da gripe espanhola no início do século XX, da varíola ou da cólera pode atestar minha colocação.
Mas há tipos e tipos de ignorância, e fatalmente nos servirá uma de suas carapuças, limitados que somos. Todavia, hoje, nesses dias em que um vírus letal se espalha pelo mundo tirando o ar e a vida das pessoas, enfrentamos dois mais claramente.
Um é a ignorância da ciência: a ciência ignora uma cura para a Covid-19. Pesquisadores do mundo todo se movem no mesmo sentido, de elaborar uma vacina ou um remédio para o coronavírus. Inconformados com seu estado de ignorância, movem-se, portanto, no sentido do saber, do desvendar, do esclarecimento, da luz.
Se não têm o conhecimento da cura, entretanto, têm o conhecimento do modo de proliferação. E instruem-nos, ignorantes que somos das coisas da ciência, que devemos evitar contato social, pois estas relações facilitam a transmissão do vírus. Lavar as mãos, ficar atento a sintomas assim e assado etc. De ignorantes, passamos então a sapientes. Pela comunicação, assimilamos aquele conhecimento que agora também é nosso.
(E é até bonito ver como o termo “comunicação” volta assim a seu sentido original, de “comunhão”, de “partilha”.)
Mas há um outro tipo de ignorância a ser combatida, e esta batalha é mais difícil, pois é um tipo de incultura que tem seus argumentos arraigados em terrenos que não são meramente cognitivos ou racionais. Há um desejo pela ignorância. Uma tara, talvez? Ah, quem sou eu no rolê da psicanálise para avaliar, ignorante que sou das coisas da mente.
Mas quando vemos pessoas ignorando recomendações oferecidas a nós por pessoas comprovadamente mais habilitadas, médicos, enfermeiros, biólogos, a Organização Mundial de Saúde, fica difícil não pensar na ideia de uma espécie de tanatolatria, de uma veneração da morte. Mas da morte do outro, pois se farinha é pouca, meu pirão primeiro.
É um tipo de ignorância eletiva, emproada de sua própria burrice e assustadoramente clara em seus propósitos imediatos – mercantilistas, naturalmente. Orgulhosos de seu estado de ignorância, movem-se, portanto, no sentido do não saber, da idiotice, do obscurantismo, das trevas.