Desde a aparição da onça-pintada no Jardim Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora, divulgada na última sexta-feira, diversas teorias têm pipocado pelos cafezinhos, mesas de almoço e pontos de ônibus de Juiz de Fora. De onde veio esse bicho, que há cerca de 80 anos, segundo informações da UFJF, não dava as caras por essas paragens da Zona da Mata?
“Fugiu do circo”, garante uma dona na fila do pão.
“Isso é caminhoneiro que pegou pra criar no Mato Grosso e, com o bicho crescendo, só querendo saber de comer carne, com a vida nessa carestia doida, largou ela na beirada do Paraibuna aí”, comenta um motorista no balcão da oficina mecânica. E defende: “Eu não culpo ele não, eu também sou doido pra fazer isso com meu caçula”.
As teorias são muitas e nosso espaço aqui é pouco. Certo é que o Governo federal já vê na aparição da onça uma oportunidade. Empenhado na cruzada de reescrever o mundo negando o aquecimento global e o golpe de 64, reelaborando o nazismo e dispensando os saberes fúteis de Platão e Auguste Comte, o Planalto, que tem se esmerado na arte do recuo, pretende recuar mais um pouquinho, até a era pré-iluminista, e reativar uma famosa teoria que vigorou desde os tempos de Anaximandro de Mileto: a da geração espontânea.
Também conhecido como abiogênese, o referido conceito dizia basicamente que a vida poderia ser gerada de qualquer matéria orgânica ou inorgânica se fossem dadas as condições ideais. De um monte de pano sujo nasceria, por exemplo, um rato. Ainda que tal ideia tenha sido cabalmente refutada pelos experimentos de Louis Pasteur no século XIX, já vejo algum proeminente cientista terraplanista vindo de Brasília defender a geração espontânea como razão do aparecimento do novo xodó juiz-forano (capivaras enciúmam-se por todo o curso do Paraibuna). Antecipo até a live no Facebook.
“Se tem onça, tem que ter a onça-mãe e a onça-pai, tá ok? Se não tem onça-mãe e onça-pai, é geração espontânea. Isso daí, certamente, foi uma estudante da Faculdade de Biologia que deixou uma meia de oncinha lá, aquilo ficou lá tudo sujo, né, com chulé e tal, muita umidade, e gerou isso daí. Então, não tem nem que ver nada não, é geração espontânea e ponto final.”
Parece-me, científico leitor, que a misteriosa aparição da onça do Jardim Botânico tem, de fato, grande potencial para alicerçar ações de impacto do Governo que ora fecha seu quarto mês de vigência, pautado no neo-puritanismo revisionista de baixa patente e no barraco cross-midiático de família. Não me surpreenderia, inclusive, que mais rapidamente do que o esperado as verbas reservadas às faculdades de filosofia, sociologia e adjacências sejam reinvestidas na defesa da abiogênese. E, claro, na formação técnica de mais veterinários, pois uma coisa é preciso reconhecer: são muitos os quadrúpedes necessitando de tratamento no território nacional.