Entenda, ludopédico leitor: não cabe ao flamenguista ter os pés no chão. Sob as asas do urubu-rei, sua cabeça está permanentemente nas nuvens. Não faz por mal: é próprio de sua estirpe.
O flamenguista é oba-oba.
É já ganhou.
Não lhe caem bem a amargura ou o roer de unhas.
Todo mundo sabe: não há má fase que dê jeito no flamenguista.
Se lhe ameaça a segunda divisão, esse círculo infernal que jamais visitou, basta uma vitória magra sobre um bando qualquer de joões e muda o discurso: agora é rumo a Tóquio!
E não importa se é no Catar ou na Holanda, no Marrocos ou na Nova Zelândia: para o flamenguista, o El Dorado será sempre Tóquio.
É do flamenguista, do incorrigível flamenguista, esse negócio de distorcer um pouco a realidade, essa licença poética desmesurada, porque sempre embriagado de um amor maluco: Brocador é maior que Pelé, Uidemar é maior que Tostão, Obina é melhor que Eto’o.
Nos estádios, distorce música do Senna, distorce música dos Mamonas Assassinas, distorce música do Kiko Zambianchi, cria um novo hino a cada mês, todos mais populares que qualquer hit de Anitta, sem sequer pagar direito autoral.
A criatividade, como a autoestima do flamenguista, tem que ser estudada.
E imagine o futebolístico leitor: se o flamenguista é essa bufonaria mesmo nos tempos mais sombrios – ah, se sofri um dia, nem me lembro! -, imagina num ano perfeito como esse que se avizinha do apito final.
Serão dias e mais dias de festa. Festa na festa da firma. Festa na festa de casamento. Festa na festa de Natal e festa na festa de Ano Novo. Festa no asfalto. Festa na favela.
A festa rubro-negra, me perdoe o cronista-mor das coisas da bola, começou 40 minutos antes do nada. E só vai acabar 40 minutos depois do fim de tudo. Quando o último anjo do Senhor estiver recolhendo sua espada e se preparando para alçar o derradeiro voo, deixando atrás a Terra calcinada, haverá um filho de Deus, roto e descabelado, gritando do alto de um monte de cinzas:
– Mengo!!!
E subirá aos céus, incrédulo, o serafim executor.
Pois viu que nem no juízo final caberá juízo algum ao flamenguista.