Já deu, né?

Por Wendell Guiducci

Depois das três horas e meia de show no Rock in Rio no último sábado, choveram críticas sobre o timbre da voz de Axl Rose nas redes sociais e nas esquinas da vida – uma das coisas boas do Rock in Rio é trazer o rock de volta à agenda, especialmente entre aqueles não muito chegados ao artigo.

“Tá na hora de parar”, ecoaram fãs, haters, ex-fãs e papagaios.

Da mesma maneira que tem gente que diz que Herbert Vianna deveria parar.

Que os Stones deveriam se aposentar porque Stones “já deu, né?”.

E eu fico pensando aqui comigo _ e, para o azar de muitos, posso externar meus pensamentos nessas mal traçadas -, cacilda, que pretensão desse povo, não? Encontrar em si mesmo o direito de dizer que o outro deve parar de fazer o que mais gosta porque “já deu, né?”.

Penso que, se você escreveu “Meu erro”, “Lanterna dos afogados”, “Vital e sua moto” e quer cantá-las, você deve cantá-las. Especialmente se milhares de pessoas estão a fim de escutar você cantando, ainda que não tão bem como há 30 anos. Ainda que nada bem.

E se você escreveu “Paradise City”, “You could be mine” e “Patience”, você tem o direito de cantá-las quando, como e onde quiser. E ainda mais se tem gente querendo te ouvir.

E o mesmo vale para “Satisfaction”, “Jumpin’ Jack Flash” e “Angie”.

Vejo eu chegando para aquele amigo peladeiro dizendo, “fio, pode parar de jogar bola que você não é mais aquele moleque arisco de outros tempos não”. Se o truta hoje não trata a bola com a mesma lepidez de outrora, se não tem aquele fôlego para ir e voltar na lateral, que direito tenho eu de dizer que deve pendurar as chuteiras no varal das terças noturnais, se aquilo o deixa feliz e ele ainda encontra vaga no time?

É dizer que Juan, Negro Maravilhoso, não pode mais jogar na zaga do Flamengo porque tem 38 anos.

Que Frank Miller não pode mais desenhar o Batman porque é um velhinho baqueado por uma doença misteriosa.

Que a Betty Faria não pode ir de biquíni à praia porque tem 76 e não exibe mais o corpo impudico dos tempos de “Bye Bye Brazil”.

É legítimo achar Juan lento.

Frank Miller um garrancheiro.

Os Stones uns velhinhos sem noção.

Herbert um afônico.

Axl uma versão metalizada do Pato Donald.

Betty Faria velha (e, surpresa, isso é fato e não está no âmbito das opiniões).

Mas só eles é que vão decidir qual é a hora de tirar o time de campo.

A caneta da prancheta.

A banda do palco.

E a bunda da praia.

 

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka. Instagram: @delguiducci

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