Eu tomava uma cerveja, algumas cervejas com meu amigo João Márcio, de passagem pela cidade, com seu irmão Renan e mais um amigo (deles). O assunto predominante em nossos raros encontros, por todos os motivos do mundo, é o futebol. Afinal formamos juntos no time que levou a maior goleada da história do futebol de campo da Faculdade de Comunicação da UFJF nos idos de 1998, mais ou menos: 20 a 0, se não perdemos a conta. Ele, tricolor que trabalha no Flamengo; eu, flamenguista que prima por lembrá-lo das ironias dessa vida. Lá pelas tantas, pipoca na mesa posta na calçada do São Bartolomeu uma dúvida cruel.
– Viola fez gol no Fluminense uma vez jogando por um time pequeno. Era o Resende, eu acho.
– Não, acho que não foi não, eu tava nesse jogo aí, era o Duque de Caxias. O Fluminense ganhou o jogo de virada. E o Viola fez um gol não, fez dois.
– Ele jogou no Duque de Caxias? Não foi no Volta Redonda não?
A gente ali confabulando, o João tira o celular do bolso.
– Esse negócio de dúvida não existe mais.
Acessa o Google e descobre que Viola, estreando pelo time da Baixada, fez de fato um gol – somente um – naquele certame disputado no Maracanã em 23 de janeiro de 2008, uma quarta-feira, e vencido de virada pelo Tricolor das Laranjeiras, gols de Thiago Silva, Washington Coração de Leão e Leandro Amaral. O outro do Duque de Caxias foi de Edivaldo, que abriu o placar aos 8 minutos. Um exagero de detalhes que ali beirava a ofensa.
A tecnologia portátil, pensei lá comigo, não nos dá mais o benefício da dúvida. Não nos deixa saborear por mais que poucos segundos a indecisão, esse mágico estado que o sempre sábio Ambrose Bierce chamou de “o principal elemento do sucesso”. Digita-se qualquer coisa e lá vem a resposta, uma torrente de informações que jogam por terra a beleza criativa das suposições, o irresponsável vaguear da fantasia.
Mas não só a tecnologia. Vejam por exemplo meu jurisconsulto sogro, Sizenando Lacerda, a quem deixei em casa minutos antes de começar a elucubrar o presente escrito. Enquanto serpenteávamos Serra de Petrópolis acima, vindos do Rio de Janeiro, ele comentava:
– Você viu que os aliados dos americanos tomaram lá na Síria o último bastião do Estado Islâmico?
– Vi não.
– Pois é, foram aqueles muçulmanos… aqueles que vivem na Turquia… como é que chama… é… ô, gente…
Preocupado em manter o velho Renault no prumo, rodando na encaroçada malha asfáltica da BR-040, olhos ardendo e fixos na estrada, acabei deixando de interagir com o provecto advogado que jazia imerso em seus pensamentos ali no banco do carona. Lá pelas tantas, milhares de curvas e dezenas de quilômetros depois, passado longo período de silêncio, ele se manifesta:
– Curdos! Os curdos é que tomaram o vilarejo.
Eu me assustei.
– O senhor ficou esse tempo todo pensando nessa história de Síria?
– Eu forço minha mente até lembrar das coisas.
– Impressionante -, deixei escapar. (Não gosto muito de elogiar o homem, pois enfatua-se facilmente.)
Aquilo ocorreu exatas 24 horas depois daquelas cervejas com o João, tempo justo para que eu reformulasse minha opinião: não é a tecnologia portátil que ora nos priva do benefício da dúvida. Não, curioso leitor. Isso vem de tempos. O que nos tira o prazer da indecisão é essa gente que não desiste, que não sabe ficar sem uma resposta, que acessa a grande rede mundial ou os confins de suas próprias redes neurais em busca daquela palavra, daquele número, daquela resposta sem a qual não poderá botar a cabeça no travesseiro e dormir em paz. Essa gente que faz toda questão de dissipar a névoa da imprecisão.
E creio eu que deva inclusive haver um nome para isso.