Graças à dica do amigo Camilo Rangel, cinéfilo inveterado e baterista arretado, topei este fim de semana com o filme “Garota sombria caminha pela noite”. Mais que a história da vampira feminista – e skatista – que se envolve com um jovem traficante numa cidade fictícia chamada Bad City, localizada em lugar algum, em tempo nenhum, me coçou os miolos a sensação de despertencimento dos personagens e de um certo desenraizamento que começa na própria constituição da obra.
O filme foi realizado em preto e branco por uma diretora britânica (Ana Lily Armipour), nos Estados Unidos, mas é todo falado em persa. Os protagonistas são uma vampira sem nome, interpretada pela norte-americana Sheila Vand, e um James Dean iraniano, vivido por Arash Marandi – ele, sim, persa. A estética alia as tomadas contemplativas do cinema iraniano moderno e o ritmo dos westerns sessentões de Sergio Leone aos contrastes carregados do expressionismo alemão de Robert Wiene e F. W. Murnau – da década de 1920. O indie rock americano e o rock alternativo iraniano soam emoldurados por pôsteres dos Bee Gees e de Michael Jackson – Jacko ecoando também na mão engessada de Arash.
Essa convergência de temporalidades, linguagens e referências concretiza-se na cidade-fantasma de Bad City, de nome inglês e língua persa, localizada sabe-se lá onde, sabe-se lá quando. Difícil não ver Bad City e seus personagens melancólicos, assaltados pela violência em todas as suas formas, como uma alegoria da própria modernidade – a modernidade desse instante histórico, que alguns chamam de pós-modernidade – em que nossas noções de espaço, tempo, pertencimento e da própria existência esvaziam-se no conforto meio entorpecido da ausência de distância, da supressão do tempo, da banalização das relações, da insistência no movimento, ainda que seja para lugar nenhum.
Bagunça a cachola essa garota sombria caminhando pela noite, sem rumo, sem raízes, pelas ruas de Bad City.
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