Fernando entrou apressado na livraria. Precisava fazer cópia de certo documento imobiliário e sabia que ali havia uma máquina de xerox. Costumava frequentar a loja anos atrás, geralmente para cafés com estudantes, no curto período em que lecionou no cursinho popular da prefeitura. Dirigiu-se à mocinha atrás do balcão, uma menina geométrica e catatônica, mas antes que fosse atendido foi chamado por uma voz que vinha da área das mesas.
– Professor!
Pensou que fosse com outra pessoa. Procurou no entorno. No pequeno comércio eram ele, uma senhora com um cachorro pigmeu fuçando livros de culinária, a atendente de olhos vidrados no celular e um rapazinho sentado nos fundos da livraria. Era ele quem o chamava.
– Aqui, professor!
Reconheceu de imediato. Era o Paulo, um dos alunos que conhecera naquele breve ano de docência.
– Oi, Paulo! Como é que vai?
Caminhou até o ex-aluno e lhe deu um forte abraço.
– Eu tô joia! E o senhor?
– Joia também.
– Vamos tomar um cafezinho?
Fernando adoraria tomar um cafezinho. Adoraria reviver a alegria da comunhão de tantos sábados naquela livraria, quando conversava com seus estudantes sobre Machado de Assis, Clarice Lispector, Augusto dos Anjos, Cecília Meireles, em delirantes atividades extracurriculares e não remuneradas.
– Puxa vida, Paulo, eu gostaria muito, mas tenho que levar esse documento pra um cliente que está me esperando.
– Ah, que pena, professor.
– Pois é, pena mesmo.
– Mas eu queria que você soubesse que eu lembrei muito de você outro dia.
E Paulo mencionou algo que Fernando dissera em uma aula, algo que para o professor deveria ser importante àquela época a ponto de compartilhar com os alunos, algo que foi absorvido por pelo menos aquele agora ex-aluno e que agora retornava para ele.
Fernando fora professor por apenas um ano, uma década atrás. Soterrado sob contratos e taxas e financiamentos, às vezes se lembrava dos dias de sala de aula, o diploma de licenciatura esquecido em alguma gaveta. A vida o encaminhou para ser corretor de imóveis e era o que era. Ou o que achava que era, pois descobria ali, naquele cafezinho do centro da cidade, que um professor nunca deixa de sê-lo para seus alunos. Ainda que tenha lecionado um só dia, será para sempre professor daqueles a quem se dispôs a ensinar e a quem, se abençoado por alguma luz e muita sorte, inspirou.
Despedindo-se contrariado de Paulo, Fernando voltou até o balcão, resgatou a atendente de seu transe digital, conseguiu a cópia do tal documento e tomou o rumo da porta. Tinha um compromisso a cumprir com seu ganha-pão, que era um ganha-pão tão bom quanto outro qualquer. Mas algo em seu passo menos apressado, em seu sorriso gratuito na tarde aperreada, denunciava que saía da livraria um homem mais feliz do que aquele que entrara minutos atrás.