Eu havia acabado de escrever minha crônica semanal para a Tribuna quando a tela do celular brilhou com a notícia da morte de Jerry Lewis. Era início da tarde de domingo em Juiz de Fora. E aquela crônica, sobre uma certa tristeza refletida nas águas turvas do Paraibuna, já não servia mais.
“Comediante Jerry Lewis morre aos 91 anos.”
Uma pontadinha rápida no peito. Mas não há o que lamentar.
Como ator, diretor e roteirista, Jerry Lewis realizou cerca de 50 filmes em meio século de carreira, ganhou o justo epíteto de Rei da Comédia depois de estrelar filme homônimo de Martin Scorsese em 1982 e foi reconhecido por cabeções como Jean-Luc Godard e François Truffaut, lá na década de 1960, como um dos maiores gênios do cinema – franceses são danados para reconhecer gênios, vide Baudelaire sobre Allan Poe.
Uma boa vida, podemos dizer. Portanto, nada a lamentar.
Disso tudo a história, digamos pública, dará conta.
Como registrará a massiva influência da arte de Lewis sobre gerações e gerações de palhaços e palhaças e atores e atrizes, como Rowan Atkinson e Melissa McCarthy, Leandro Hassum e Jim Carrey, Dani Calabresa e Marcelo Adnet.
Caberá, entretanto, à história privada, aquela que compartilhamos em nossas conversas ao redor de um violão, uma mesa de bar, uma fogueira ou no sofá de casa, reconhecer a influência sobre nossas próprias identidades, que ecoam aqui e ali os momentos reservados que vivemos com Jerry Lewis.
A minha geração passava muito tempo assistindo à “Sessão da Tarde” na TV Globo, sabe? Depois da escola, muitas e muitas vezes nossa tutela foi entregue ao Professor Aloprado.
As tardes vendo “O mensageiro trapalhão”, “Errado pra cachorro”, “O terror das mulheres” tinham sabor de três pães com manteiga e um copo grande de café com leite. O som do cachorro latindo no quintal. A máquina da minha mãe costurando sem parar. Os vendedores de picolés na rua.
Jerry Lewis estava nas minhas tentativas frustradas de palhaçaria na escola e no olhar admirado diante das interpretações perfeitas do amigo Fabricio Sereno, em torno do qual nos juntávamos na adolescência para rir até doer a barriga.
Estava na fé de que o mais feio também poderia ganhar a mocinha.
Na educação cinematográfica das minhas duas filhas, em tardes e noites boas enrolados em cobertas.
E estará para sempre na certeza crescente de que uma vida desprovida de humor é uma vida que vale muito pouco. Ou nada vale.