O Brasil tem nos dado importantes liçÔes desde o advento dos celulares que filmam. à uma revolução não apenas tecnológica, conectado leitor, pasme!: é também uma revolução sociológica!
Senão, veja: quem diria que um dispositivo feito para tirar retrato, fazer filmes, gravar voz, jogar joguinho, baixar o Caixa Tem, receber foto de gente nua e até mesmo telefonar seria responsåvel por desvelar a alma do brasileiro!?
Ă um caso sĂ©rio! Porque a gente gosta de acreditar que a alma do brasileiro Ă© aquela da Fernanda Montenegro em “Central do Brasil”, uma salafrĂĄria espertalhona que, no fundo, bem no fundo, tem um coração de ouro e farĂĄ alguma coisa boa nessa vida. A redenção virĂĄ para o malandro, porque o malandro no fundo Ă© boa praça. O brasileiro Ă© cordial, diriam SĂ©rgio Buarque e JosĂ© SimĂŁo.
Mas agora, celular na mão, todo mundo é um Walter Salles em potencial. E a redenção do malandro bate em disparada feito o Pixote de Babenco.
Ou algum de nĂłs nutriria simpatia, afeto ou cordialidade diante de uma fala como “CidadĂŁo, nĂŁo. Desembargador, com contatos. Melhor que vocĂȘ.”? O roteirista que escreveu essa fala nĂŁo pode esperar que a gente se apaixone por um personagem assim.
Uma fala que, aliĂĄs, nem original Ă©: deriva de outra, ouvida em outro pĂ©ssimo filme de uns dias atrĂĄs, que Ă© mais ou menos assim: “CidadĂŁo, nĂŁo. Engenheiro civil, formado. Melhor que vocĂȘ”.
Apesar da jequice, do plågio, da incapacidade dos personagens de despertar algum tipo de empatia, é preciso reconhecer o valor sociológico das recentes produçÔes smartfÎnicas.
Para os estudos da brasilidade, por exemplo, os filminhos mostram que o brasileiro tem essa tara pelo tĂtulo: doutor, desembargador, engenheiro civil formado, melhor que vocĂȘ. E para os estudos das humanidades em geral, fazem cair por terra a profissĂŁo de fĂ© que roga para que todos os homens sejam iguais entre si.
Estimado leitor, nunca foi tĂŁo fĂĄcil reconhecer uns homens como bem piores que outros.