Tino ocupa sempre a mesma mesa do bar. Uma Brahma no primeiro tempo, outra no segundo. Um dia maçã de peito com batatas, no outro moelinha com pão molhado. Há um mês Tino não vinha ao botequim. Mas é sábado e, enfim, a temporada do futebol brasileiro terá início. Após quatro longas semanas de sofreguidão, derivando ao longo dos dias, marujo sem bússola, Tino tem rumo. Sábados ou domingos, às 16h ou às 18h, quartas ou quintas, às 19h ou às 21h30, tem seu porto seguro. A mesma mesa em frente à televisão do mesmo bar. Mas
– Hoje não tem Flamengo na TV, Seu Tino – avisa-lhe o garçom, em quase-confidência.
– Como não? É 18 de janeiro, Macaé x Flamengo às 16h. Tá na tabela.
– Eu sei, mas não teve acordo com a Globo, então não vai passar jogo nenhum do Flamengo. Vou deixar a TV ligada ali, mas vai dar Madureira x Portuguesa.
Tino incrédulo. Sua agenda pessoal são as tabelas de jogos de futebol. É assim que organiza seus dias, seus afazeres, seus compromissos, sua existência, enfim. Jogo do Flamengo às 16h, o cinema terá de ser depois das 18h30. Jogo do Flamengo às 19h, hoje ficaremos no belisco e cervejinha, nada de janta.
– Mas eu tenho radinho ali atrás, se o senhor quiser ouvir, eu te empresto. Mas tem que botar esses fones aqui, porque senão os outros clientes vão reclamar.
E eis Tino de volta aos tempos em que, no Fusca do finado pai, ouvia aos jogos enquanto voltavam do sítio do avô, soquetando na estrada de terra nos domingos crepusculares. Há quanto tempo não escutava um jogo no rádio? Os ouvidos destreinados por décadas de imagem e pelos vazios da narração televisiva, aos poucos se reeducam. A dicção metralhadora do locutor. As vinhetas explosivas. A participação inflamada dos repórteres à beira do gramado. O comentarista iracundo, dono de todas as verdades.
De repente, neste sábado de recomeços, Tino tem novamente entrelaçada à sua a mão da mãe no banco da frente. A ternura dos dedos maternos a cafunezar sua vasta cabeleira de menino. Onde hoje os fios grossos e castanhos? Os irmãos espremidos com as tias no banco de trás. O cheiro da broa enrolada num guardanapo xadrez. A luz verde do painel do Fusca clareando o bigode fino do pai, olhos fixos no pretume da estrada. O chiar dos alto-falantes. Tudo volta para Tino. Tudo outra vez.
Menos um maldito golzinho.