Um professor muito querido dos tempos de faculdade, mestre na fina arte da ironia, costumava brincar que os alunos de um outro curso carregavam em seu semblante uma perpétua ruga. A ruga do (nome do curso). Traziam, segundo ele, esse ar constantemente grave, de quem está sinceramente preocupado com as pelejas do mundo, mas que não se permite um momentinho sequer de distração.
É preciso estar atento e forte, disso sabiam Gil e Caetano e nós também, especialmente nesses tempos sombrios em que forças perversas rastejam para fora dos porões para conspirar contra as coisas boas à luz do meio-dia. Mas também é preciso abstrair. Dispersar.
Um filósofo francês da pesada, de nome Roland Barthes, bom da cuca e bom de pena, lembrou em seu livro “O prazer do texto”, citando personagem de Bertold Brecht, que “a guerra tem seus momentos pacíficos” e que “entre duas escaramuças, pode-se esvaziar muito bem um canecão de cerveja”.
Ora, vão para as guerras tanques, metralhadoras e canhões, mas também vão violões, pandeirolas e atabaques, tabuleiros de damas, xadrez e baralhos, garrafas de cachaça, uísque e baseados, revistas pornográficas, livros de poesia e bíblias.
E bolas de futebol.
Jogaram bola no Afeganistão, em Ruanda e na Polônia. Gol a gol na Iugoslávia e na Caxemira. Peladinhas em Londres, em Kiev, no Araguaia e em Chiapas. Embaixadinhas no Congo e na Nigéria.
Depois o pau voltou a cantar, sempre volta, o deus da guerra a vociferar com rajadas de balas e explosões de bombas e granadas, estilhaços rasgando carne e o diabo. Todos novamente muito concentrados em matar-se uns aos outros, defendendo cada qual os propósitos dos seus senhores.
Mas, entre uma e outra batalha, que seja nossas pequenas batalhas cotidianas, encontra-se o tempo da distração. Tempo sagrado, de dar de comer ao espírito. De descerrar punhos e dentes. A Copa do Mundo é esse tempo. De jogar, brincar, amar. Tempo de desfazer aquela famigerada ruga da testa. De relaxar.
E gozar, enfim.