Cadeira Acapulco

Por Wendell Guiducci

O Velho está sentado na varanda, instalado em uma cadeira no estilo Acapulco. Tem um cobertor sobre as pernas, embora não faça muito frio nessa manhã. O céu é azul como foram no passado os olhos do Velho. Agora eles assumiram uma cor opaca-acinzentada como o cume das montanhas visto de longe em dias muito áridos. Com esses olhos baços, ele fita as próprias unhas. São unhas amareladas e descamadas, mas limpas, embora um pouco compridas para o gosto do Velho. Não longas a ponto de aparentarem desleixo, de forma alguma, mas poderiam estar mais curtas, como ele prefere.
A cadeira Acapulco, na qual o Velho está sentado nesse momento, fez muito sucesso entre as décadas de 1950 e 1970. Quando ele tinha sua própria casa, havia duas desse tipo na varanda. Agora o Velho vive com sua filha e o genro em uma casa muito bonita, muito bem decorada e que tem um par dessas cadeiras Acapulco. Ele se lembra que sua finada esposa se desfez na década de 1980 das cadeiras que tinha na varanda, cujo piso era revestido de caquinhos de cerâmica vermelha. “Estão fora de moda, que nem esse piso”, ela disse. E hoje a filha vai e gasta um bom dinheiro em um par de Acapulco de grife porque “está na moda”. Não deixa de ser irônico.
Da cozinha vem o cheiro do café sendo passado. Daqui a pouco a filha sai para trabalhar e ele ficará o dia todo na companhia do genro, que tem um desses empregos que o Velho não entende muito bem. O rapaz faz tudo pelo computador, inclusive muitas reuniões com pessoas cujas vozes o Velho nunca escuta. Só ouve o genro falando, um vocabulário muito técnico, às vezes respondendo a questões que ele não tem a menor ideia quais sejam. Ele gostaria de se levantar e ir até a cozinha ajudar a preparar o café, mas não se atreve mais a andar sozinho. As pernas já não o obedecem como antes e ele não quer cair e dar trabalho para a filha. Então fica ali naquela cadeira que já esteve na moda, já esteve fora de moda e está de novo na moda.
O pensamento desenha nos lábios do velho um sorriso melancólico. O tempo faz o que um dia foi bonito e útil se tornar feio e obsoleto, e de novo bonito e útil, talvez até charmoso, vejam só. Acontece com cadeiras, com plantas, com roupas, mas não com pessoas, o Velho pensa. As pessoas que dão sorte de viver muito têm de arcar também com as consequências de se tornarem provectos cidadãos. Ele se considera um homem amado. Está em boas condições mentais e não tem a saúde mais frágil que outras pessoas da sua idade. Mas preferiria estar em sua própria casa, sentado em sua própria cadeira, sem esse cobertor sobre as pernas e com as unhas um pouco mais curtas. Se ao menos pudesse cortá-las sozinho.

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka.Instagram: @delguiducci

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