Cidadão juiz-forano de nascimento e criação, Tonho fazia o serviço agachadinho na sua, tendo o filho por assistente. E como todo bom cidadão aqui nascido e criado, lamentava a escalada da violência.
– Essa cidade já foi boa de se viver, Demétrius. (passa a lima, por favor) Mas não há mais gentileza, não há mais cavalheirismo. Voltamos ao tempo da barbárie. (segura isso aqui pra mim, por obséquio)
O rapazinho só escutava as lamúrias do pai.
– Agora você vê: eu li outro dia no jornal que deram pra montar cerco nas estradas pra roubar carro. Uma truculência jamais vista. E não é só isso. Atiram por qualquer coisa, matam, sequestram, aleijam. Fineza, decoro, cortesia… aonde foram parar?! De motocicleta não se pode mais andar, que toda hora aparece um com pistola na mão, aponta pra cara do piloto, manda descer e leva pra roubar posto de gasolina ou outras motos. (a chave de fenda, filho)
Ali estava um pai realmente preocupado com a formação do rebento.
– Soube outro dia que sequestraram um professor da universidade. Um cracudo fez o coitado rodar no carro dele a noite inteira, “noiado”, como vocês dizem, querendo dinheiro pra pagar dívida de tráfico. E de arma na mão! Você consegue imaginar o trauma desse educador? A violência é muito mais que física, é psíquica! Ah, não há mais classe nesta cidade… (passa o arame, por favor)
Tonho soltou um gemido baixinho. Trabalhar de cócoras aos 70 e poucos não é brincadeira.
– Agora faremos o seguinte: eu vou puxar o pino, destravar a porta, você pula pra dentro e abre o capô pra que eu desligue o alarme. Não queremos tirar das pessoas o sagrado direito ao sono. Nem chamar atenção da polícia.