Luana era quase feliz. Tinha um emprego maravilhoso e um maridão desses de sonho, que fazia o almoço e lavava a louça. Mas não tinha filhos. E isso a deixava bastante triste às vezes, porque queria muito uns bacuris. Cristina também era quase feliz. Tinha dois filhos lindos, um trabalho que amava, mas apenas suportava o esposo. Isso a deprimia de quando em vez. Roberta amava profundamente o homem que escolhera para passar o resto de seus dias e tinha uma filha absolutamente fabulosa, fruto de um namoro adolescente, mas tinha um emprego que nem era dos mais insuportáveis, mas pagava mal. Muito mal mesmo.
Alguma coisa sempre falta.
De modos que, quando se encontravam, Luana invejava secretamente o fato de Cristina e Roberta terem filhos, e aquilo lhe doía especialmente quando elas vinham acompanhadas das crias. Da mesma forma, Cristina, que nunca estava acompanhada do marido, agarrado em frente à TV vendo futebol, pensava como seria bom ter alguém – um homem, uma mulher, um coqueiro que fosse – para amar. Doía-se a cada afago trocado entre as amigas e seus respectivos cônjuges. Roberta, por sua vez, admitia abertamente a penúria que era ficar permanentemente em negociação com o banco, usando cartão para cobrir cheque especial e cheque especial para cobrir cartão.
A grama do vizinho, como se sabe, é sempre mais verde.
Um filósofo de balcão de bar, retransmitindo outro de verdadeiro lastro, comentou certa vez que a frustração diante da experiência do vazio é coisa imposta pela cultura ocidental. Do meridiano de Greenwich pra cá, é de conhecimento público, a gente não pode ver um pasto que já quer plantar uns tomates. Nem o céu está a salvo: se tem um sobradinho dando sopa, o pessoal já quer passar o trator e subir um prédio de 20 andares, verticalizando chão acima a neura da ocupação territorial. E atrapalhando a vista. E assim vamos entulhando o mundo, porque assumimos que todo vazio deve ser preenchido. Não pode ficar lá, vago, apenas servindo à reflexão, espaço livre para manobrar nossos sentimentos e pensamentos e ações.
Talvez a ponderação daquele filósofo de balcão de bar, mero repetidor etílico de outro mais sábio, servisse às damas aflitas de nossa crônica.
…
(Menos à Roberta.)