Bambu

Por Wendell Guiducci

Dirigindo pela Estrada Engenheiro Gentil Forn, eu observava os estragos causados pela tempestade de ventos do domingo passado. Aqui e ali, vestígios de árvores caídas, galhos arrancados dos troncos pela força da borrasca, traços que fazem recordar nossa miudeza diante do furor inesquivável da natureza. Ao largo da pista, homens e mulheres do departamento municipal de limpeza urbana faziam seu trabalho, enchendo caminhões com toras, raízes e folhagens.

Sob um bambuzal, duas servidoras conversavam. Elas tinham nas mãos um pedaço de bambu-amarelo cada uma. Um deles estava cortado de forma muito simétrica e media, suponho, uns quarenta centímetros. O outro ainda conservava um galho com uma folha e sua aparência era mais rústica, como se tivesse acabado de ser catado em meio aos destroços verdejantes. Talvez a moça que o tinha à mão estivesse conversando com a outra sobre como aquele era um bom pedaço de bambu e como ele poderia ter alguma serventia se bem cortado como o da sua colega.

Ali em meio ao caos e à desordem gerada pela tempestade, as duas mulheres, trajadas em seus uniformes grosseiros de trabalhadoras braçais, talvez discutissem sobre a possibilidade de fazer daquele pedaço de bambu um vaso para orquídea. Ou para flores de plástico, que ficariam muito bem sobre a mesa da cozinha. Ou poderia ser convertido em um reservatório de água, quem sabe uma fonte para ser colocada no quintal, onde um bica d’água corre por um tristonho cano de borracha, aborrecido e sem vida.

Talvez elas conversassem sobre essas coisas e sobre como o fruto de um pequeno desastre pode ser convertido em algo bom, um enfeite, uma coisinha boba que, em última análise, alegra um pouco a vida ou pelo menos nos ocupa a cabeça por alguns momentos. Talvez fosse isso. Ou talvez fosse apenas eu, cronista sem assunto se distraindo da rotina do trajeto diário de casa para o trabalho, servindo-se da vida alheia como um ladrão barato, tomando o que é dos outros sem pedir licença, enquanto a vida que vale ser vivida seguia seu curso ali, sob as folhas desgrenhadas do bambuzal.

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka.Instagram: @delguiducci

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