Devoradas as Ćŗltimas fatias do pernil de rĆ©veillon, Ć© tempo de encarar o novo ano de vez. Admiti-lo como um nosso contemporĆ¢neo. NĆ£o hĆ” mais desculpas para preencher campos de formulĆ”rios e documentos com “2019” em vez de “2020”, tampouco cheques prĆ©-datados – oh, nĆ£o se engane, monetĆ”rio leitor, eles ainda existem e sĆ£o muitos, por vezes dotados de insuspeitas asas!
O lugar da expectativa Ć© lentamente ocupado pela aĆ§Ć£o, pela prĆ”tica, sim, mas em tudo nesses primeiros dias do ano que se inicia, de todo ano que se inicia, paira um pouco de ansiedade pelo que estĆ” por vir. Ć uma realidade para todos, inescapĆ”vel, definitiva, menos para o sabiĆ” que faz seu ninho na laranjeira do lado de lĆ” da cerca do vizinho.
Ele nĆ£o anseia pela estreia do Flamengo no Campeonato Carioca, tampouco pela entrega dos Oscars, ou pela Copa AmĆ©rica ou pelas OlimpĆadas de TĆ³quio. NĆ£o quer saber de show do Kiss ou da reforma tributĆ”ria. NĆ£o espera resultado de exame nem revisĆ£o de carro. PrĆ³ximo prefeito? Que se lixe. PrĆ³ximo “Batman”? Um morcego pendurado no banquete do pĆ© de jambo.
O sabiĆ” que neste momento faz seu ninho na laranjeira do lado de lĆ” da cerca do vizinho vive apenas o agora. O mĆ”ximo que planeja talvez seja justamente isso: um ninho para abrigar a fĆŖmea da vez. Depois, Ć© voo livre. Beliscar um mandruvĆ” aqui, uma amora ali, um mamĆ£o acolĆ”. Abrigar-se da chuva. Dormir num bom galho de jabuticabeira.
O sabiĆ” que faz seu ninho na laranjeira do lado de lĆ” da cerca do vizinho e vĆŖ um mundo mais colorido que o nosso nĆ£o diferencia 2019 de 2020, cronolĆ³gico leitor. NĆ£o. O instante Ć© seu calendĆ”rio, o instinto, seu compromisso. Sabemos, claro, que hĆ” homens e mulheres que tentam viver Ć maneira do sabiĆ”. Mas sabemos tambĆ©m que invariavelmente falham miseravelmente.