Morrer, fugir

Por Wendell Guiducci

Tem gente preferindo morrer a viver no Brasil. Morrendo de desgosto. Quem diria, Ary Barroso, desgosto de viver nesse Brasil que já não acham mais lindo, embora ainda trigueiro. O que viste lá de Ubá, ó conterrâneo, além do mulato inzoneiro, da mulata sestrosa, que já não encantam mais a gente? Será que não sobra esperança alguma sob a lua merencória, a ponto de um homem preferir abdicar da vida e do samba a seguir vivendo nessa Terra de Nosso Senhor? Morrer ou fugir, eis a questão. Se restam só essas alternativas, fugir, pois!, que morrer é demasiado definitivo. Mas para onde?

Eu, como Belchior, tenho visto muitos filmes, conversado com pessoas, e me assusta no cinema estrangeiro, e mesmo no brasileiro de boníssima safra, o tema recorrente do racismo, da xenofobia, da segregação de toda sorte. Morrer, fugir… para onde, então? Se na desmemoriada Europa erguem-se os ultranacionalismos, e nos States um velho cor-de-rosa de cafonérrimo topete oxigenado sonha com um muro que afaste los cucarachas – como são chamados todos que vivemos ao Sul de El Paso ou San Antonio, o que inclui você, disneylândico leitor. No Brasil, pátria desimportante, a amargura de Cazuza e Renato Russo parece doce diante de um Estado tomado por lunáticos, celerados, fanáticos e adoradores da morte. Que país é esse?

Resta então abraçar Ney Matogrosso em suas parcas vestes e vastos requebrares, e admitir: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Morrer, fugir…? Fugir, claro, eu, hein!, que da morte não há repatriados. Correr e pra bem longe! O Google me ajuda aqui: a cidade mais distante de Juiz de Fora no planeta é Urasoe, na Ilha de Okinawa, Japão. Uma coisinha assim, bonitinha, pequenininha, tipo Ubá de Ary só que sem manga, uns 100 mil urasoenses vivendo uma vidinha boa de arroz e peixe. Um barquinho pra buscar muamba em Taiwan. Mesma latitude da Flórida, bom clima entre o Mar da China e o das Filipinas, poerinha sem Flamengo na imensidão do Pacífico. Tentador: partiu?! Mas, gente, como anda seu japonês? Alguma coisa além de sayonara e arigatô? Morrer, fugir; ficar, talvez?

(Ubá, como Ary, tem só três letras.)

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da UFJF, mestre e doutor em Estudos Literários pela mesma instituição. Na Tribuna, atuou como repórter de cultura e foi editor de internet, de esporte e do Caderno Dois. Natural de Ubá, hoje desempenha o papel de editor de integração da Tribuna e assina, todas as terças-feiras, a coluna de crônicas "Cronimétricas". Lecionou jornalismo, como professor substituto, na Faculdade de Comunicação da UFJF entre 2017 e 2019, e entre 2021 e 2022. É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério". Também é cantor da banda de rock Martiataka e organiza sua agenda rigorosamente de acordo com os horários de jogos do Flamengo. Instagram: @delguiducci

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