Procuram-se fantasmas

Por Wendell Guiducci

Juiz de Fora já foi uma cidade boa em termos de assombração. De fantasma. De alma penada, espírito obsessor e adjacências. Aparições espectrais. Até disco voador. Como já foi boa em indústria e desenvolvimento, mostra a história.

É de sabedoria corrente nesse povoado de Santo Antônio do Paraibuna, por exemplo, a lenda da Noiva do Morro do Imperador, que costumava aparecer cambaleante pelas curvas da Estrada Engenheiro Gentil Forn – não confundir com o cambalear algo fantasmático daqueles que saem às oito ou nove da manhã da casa noturna que ali gorjeia o baticum das baladas tardio-juvenis. Ela, a noiva, de véu, grinalda e mortinha da silva, há tempos não dá as caras por aquelas bandas.

Também não têm sido vistas as inúmeras assombrações que outrora perambulavam pelos corredores e veredas do Museu Mariano Procópio. Sumiram como sumiu o dinheiro para as reformas (do Mariano e de qualquer museu do Brasil). Não tem som de passos dançando nas noites lúgubres. Gente antiga de pé na soleira da Villa Ferreira Lage esperando que a porta se abra para em seguida dissipar-se na cerração. Relógios parados há décadas repentinamente badalando meia-noite. É, funéreo leitor, uma completa aridez de fenômenos sobrenaturais.

Fosse hoje, sou quase capaz de apostar que Pedro Nava não encontraria, como desconfia que encontrou, o pai morto subindo a Rua Espírito Santo, sem saber “se desvaneceu ou se entrou no morro, como um éter, para sair do outro lado rolando nos ventos da Serra da Borboleta”. Duvideodó.

A coisa virou de tal modo que fantasma agora parece ter medo da gente viva.

E eu até entendo. O regime do negócio fantasmagórico é erótico. Aquele lance do mostra-esconde, sabe como é? A assombração tem que aparecer pra um ou outro e sumir por uns tempos. Deixar que a visão flutue na imaginação e enfim caia na boca do povo, que um conte o conto e outro aumente um ponto e assim sucessivamente, criando lenda. Daí o fantasma apanha um peso, um respeito na sociedade vigente.

Mas vai você hoje falar que viu um vulto passando pelas janelas do Pantaleone Arcuri. Logo virá um estorvo “ain, então porque que você não filmou” ou então “mostra a foto então, mostra, você não é o brabo?”. Não se pode mais especular sobre a natureza metafísica das coisas que estão por aí sem ser alvo de inquérito. Desejam prova material de tudo. Sai de cena a sutileza do erótico, invade o escracho do pornográfico.

Sucumbe a leveza do mostra-esconde.

É finada a imaginação.

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka. Instagram: @delguiducci

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