Prezado ChatGPT

Por Wendell Guiducci

Prezado ChatGPT, facilite minha vida e escreva-me uma crônica. Mas olha lá! Não vá usar sua vasta base de dados para fazer pastiche de Raquel de Queiroz ou Fernando Sabino. Sei que seu conhecimento beira o infinito e que sua capacidade de processamento é um foguete da Nasa perto do meu cérebro modelo Volkswagen Variant 1974. Mas permita-me sugerir alguns caminhos – ou “inputs”, como preferem seus entusiastas – para tentarmos fugir de um relato demasiado estéril. E tenha em sua mente silícica que não se trata de manipular palavras, mas de tentar, de alguma forma, encantá-las.
Pode usar o Sabino e o João do Rio, claro. Mas, quem sabe, aquele cantinho de página puída das “Prosas profanas” do Rubén Darío também lhe tenha alguma serventia. Bem como o capítulo de hoje da novela das nove. Um trecho de música do Alípio Martins ou dos Stone Temple Pilots. A cúpula da Catedral Metropolitana vista do lado de lá do Paraibuna às cinco e meia da tarde. Tenho certeza que essas coisas bobas podem lhe ajudar a escrever um texto leve, em tom de conversa à toa. Você fica à toa, ChatGPT?
Não deixe de incluir a alegria quase tátil em torno de uma mesa de sinuca rodeada de velhos camaradas que, por algumas horas, colocam de lado as diferenças que a vida acentuou. Um papo subversivo com um lavrador a desbastar nó de fumo sob um eucalipto centenário. Aquela cena final de “Rashomon”. O post da vizinha no Instagram. O dia em que você queimou a língua bebendo café pelando num muquifo às margens da BR-267 (sei que você não tem língua para queimar, não tome por ofensa). Acho bons “inputs” para que você me teça uma trama descompromissada.
Você pode também, caro espírito robótico, em sua artificial e colossal inteligência, incluir algo do noticiário político ou econômico, por que não? Mas, por favor, não use tal artifício para tentar convencer o leitor do que quer que seja. Será um erro crasso, em que pese o fato de pensarem que você não erra. Apenas deixe correr sua pena androide como se não houvesse outro interesse senão distrair o fadigado leitor das tragédias da página ao lado. Pois escrever é fácil. Disse-o o velho Hemingway: é só sentar diante da máquina e sangrar. Você pode sangrar, ChatGPT?

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka. Instagram: @delguiducci

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