Comportamento em rede

Por Wendell Guiducci

Toma lugar no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, região Sul da Grande Juiz de Fora, simultaneamente à exposição “Egito Antigo: do cotidiano à eternidade”, que traz ao Brasil parte do acervo do Museo Egizio de Turim, uma mostra sobre redes. Não, conectado leitor: não as redes de computadores, ou as redes de informação, ou as redes de telecomunicações, nem sequer as redes de pescar. Antes, a subversão de tudo isso: a rede de dormir.

Na “Vaivém” são mais de 300 obras de arte de diversas épocas e linguagens, de instalações contemporâneas a rudimentares pinturas naïf, que abordam de uma forma ou de outra a importância deste artefato na construção da identidade nacional do Brasil.

Exibida em um suporte envidraçado, uma sequência de gibis do Zé Carioca em que o papagaio malandro aparece estirado é uma boa metáfora para a ideia geral de rede para o brasileiro do Sudeste: rede é lugar do à toa, do não fazer, do deixa pra depois. Em muitos cantos do Norte e do Nordeste é sinônimo mesmo de cama, no passado já serviu pra carregar defunto e senhor de escravo, mas para nós, aqui a meio caminho entre o Brasil Índio e o Brasil Polaco, rede é sinônimo de preguiça.

A rede, mandrião leitor, é um manifesto a favor do relax e da boa vadiagem. A rede convida a um livro. Ao namoro na varanda. Ao balanço despreocupado. Convida a olhar pro teto, de alvenaria ou de estrelas. Adivinhar nuvens. Embromar afazeres: pia suja pra depois, dever de casa por fazer, crônica por escrever. Um sonoro “peraí” ao regime do trabalho.

A rede de pano – ah, pobre de ti, internético leitor! – é o antídoto contra a rede de computadores.

Fosse eu imperador dessa várzea, decretaria hoje: em casa onde conecta-se a rede mundial de computadores, conecte-se também a dois paus uma rede de vadiar. Isso: em todo lar brasileiro, uma rede de algodão cru ou bem tratado, de náilon ou bucho de boi, crochê ou ponto cruz, branca ou xadrez, monocromática ou multicolorida, com estampa de Carla Pérez ou Juscelino, quem sabe as simpatias que vão no coração!?

E que saiam de fábrica com bloqueador de wi-fi e 4G.

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da UFJF, mestre e doutor em Estudos Literários pela mesma instituição. Na Tribuna, atuou como repórter de cultura e foi editor de internet, de esporte e do Caderno Dois. Natural de Ubá, hoje desempenha o papel de editor de integração da Tribuna e assina, todas as terças-feiras, a coluna de crônicas "Cronimétricas". Lecionou jornalismo, como professor substituto, na Faculdade de Comunicação da UFJF entre 2017 e 2019, e entre 2021 e 2022. É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério". Também é cantor da banda de rock Martiataka e organiza sua agenda rigorosamente de acordo com os horários de jogos do Flamengo. Instagram: @delguiducci

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