Apesar de terem feito tudo, tudo o que fizeram

Por Wendell Guiducci

A saída de Cristiano Ronaldo da Copa do Mundo, cabeça erguida ainda que derrotado, como o adeus de Lionel Messi à Rússia, foram cercados de suspeitas. Com ambos na casa dos 30 e poucos, a crônica esportiva questiona se estarão correndo no deserto daqui a quatro anos, na Copa do Catar.

Messi terá 35 anos. Cristiano, 37. Nem um nem outro parece ter, em seus países, substitutos à altura. Portanto, a presença dos dois no emirado absolutista em 2022 não pode ser descartada.

É certo, todavia, que os dois maiores jogadores da última década, que se revezaram como melhores do mundo a cada ano, já viveram seus auges. Ver Messi batido por Kylian Mbappé, pedindo passagem com seus 19 anos e velocidade felina, nos obriga a reconhecer não apenas isso, mas a inexorabilidade da nossa própria degradação. A presença da nossa humanidade.

Embora semideuses de um panteão erguido sobre o imaginário popular, Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, que têm no viço do corpo o motor de suas realizações, também estão sujeitos à ação do tempo.

Tanto quanto o cirurgião que já não manuseia com a mesma destreza um bisturi.

O motorista de caminhão que vê sua visão periférica diminuir a cada nova viagem. As costas doerem.

O servente de pedreiro que não carrega mais sozinho um saco de cimento de 50 quilos.

O cantor que não atinge os mesmos agudos da juventude. Que se sente traído pela própria carne, quando por um segundo se esquece da implacabilidade das horas.

Esses também sabem, como Cristiano e Messi, que uma hora deverão pendurar as chuteiras. Ou mudar de posição. Esquecer a arrancada, o drible rápido, a explosão. Cadenciar o jogo. E se preparar para tirar o time de campo.

É concedida a alguns ungidos, uns poucos Rubem Fonseca e Elza Soares, Dalton Trevisan e Mick Jagger, Paul McCartney e Niède Guidon, Fernanda Montenegro e Noam Chomsky, a dádiva de brilhar com pujança juvenil mesmo na mais plena maturidade. São criaturas de exceção.

A regra é clara e exige que mesmo os mais bravos leões deem – em vida! – passagem a panteras imparáveis como Kylian Mbappé. É preciso admirar esse pulsar de vida arrebatador.

Aplaudi-lo.

E, com sorte, reconhecer nele, acima de nosso natural definhamento e com alguma alegria, o brilho baço de nossas próprias glórias. Talvez seja possível, contrariando Belchior, amar o passado e ver que o novo, o novo sempre vem.

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka. Instagram: @delguiducci

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