Enfim saíram do seu caminho, Antônio. E agora você pode andar sozinho, como sempre preferiu.
Atrás ficamos nós que nos vestimos de suas paixões, de suas dores, de sua fome de viver, que era também a nossa – e disso nem sabíamos até que você a traduzisse pra gente. Nós que vimos, pelos seus olhos, que o mundo inteiro está naquela estrada ali em frente.
Nós, moças e rapazes latino-americanos, que pela sua pena e seu canto fomos conduzidos a Poe, John, Dante, Dylan, Luiz Gonzaga. A quartos de hotéis e beiradas de caminhos empoeirados. Navios fantasmas. Ruas alagadas e noites frias. Milharais infindáveis. Cabarés e portas de delegacia.
Nós que, vestidos em blusões de couro surrados e velhos jeans, vagamos pelas madrugadas, personagens de suas crônicas e de suas pinturas, anos e anos de sonho e de sangue e de América do Sul, habitando a urgência das suas canções, morando na filosofia.
E me permita discordar de você quando cantava que era como nós, que te ouvimos agora. Nunca foi.
Pequenos, cabemos em nós mesmos. Você não, Antônio. Você foi incabível em si. Arte demais, voracidade demais, talento demais, paixão demais. Não inventaram um corpo que lhe suportasse, um mundo que lhe comportasse.
Me surpreende que essa veia tenha demorado tanto a estourar para liberar seu espírito indomável do claustro da carne.
Já vai até tarde, poeta louco brasileiro.
Esse ano, enfim, você morreu. E ano que vem não morre mais.